PRA
NÃO DIZER QUE NÃO FALEI
DE FLORES
(O
FLORESCIMENTO DE UM ATO)
Alduisio Moreira de Souza
“Deleuze reabilita a distinção
estóica de Aion e Cronos para pensar
a extratemporalidade do acontecimento e sua temporalidade paradoxal.
Segundo Aion, apenas
o passado e o futuro
insistem ou subsistem no tempo. Em lugar de um presente que
reabsorve o passado e o futuro, postulam um
futuro e um
passado que
dividem a cada instante
o presente, que
o subdividem ao infinito em passado
e futuro, em
ambos os sentidos
e ao mesmo tempo.
François Zourabichvili”.
Lacan
era um
pensador, um
psicanalista, um
teórico invulgar
e produtor de uma obra,
chamada de ensino,
sem igual
em nossa
contemporaneidade. Nunca me ocorreu pensar que fosse um santo – possivelmente um
sainthome – um xamã, ou um mágico encantador. Seu
ensino me
faz trabalhar, me
orienta em direção
a referências inusitadas e surpreendentes, e me
permite – pela exigência
que sua
leitura comanda
– despertar meu
pensamento e estar
sempre questionando minha
prática como psicanalista, já
que reclamo ter
me formado como
analista em
sua Escola.
Escrever um texto sobre seu ensino creio ser de bom tom trazer um arrazoado
de autores e conceitos
que o balizaram mesmo
sendo obscuras, pouco referenciadas ou até mesmo denegadas: Heráclito, os Estóicos, Leibniz,
Espinosa e Deleuze aí encontram – dentre outros –
um lugar
privilegiado. Estas referências são parte da
interioridade do ensino, útil – eu
espero – para aqueles
que lêem ou
escutam para saberem de que
Lacan eu falo,
já que
um pensador
com esta estatura,
e um ensino
com esta amplitude
é múltiplo como
pólo referencial. Senão
vejamos algumas interrogações: 1) Como falar em contradição, opostos,
dialética, contrários,
conjunção-disjunção, do Um, sem a referência
a Heráclito (e Parmênides)? 2) Como falar do tempo sem a referência
aos Estóicos e sua teoria
dos Incorpóreos? 3) Como
falar em Acontecimento e sua
efetivação sem a referência
dos compossíveis e incompossíveis de Leibniz? 4) Como
falar de gozo,
de desejo sem
falar de corpo,
tensão, misturas,
Conatus sem a referência
a Espinosa? 5) Ou de lingüística
sem a referência
a Saussure e Jakobson, de Semiologia do Sentido sem a referência a Deleuze? – Seria como
falar de lógica
simbólica sem falar
de Frege. Ou
seja, completamente impróprio.
A prática de
Lacan, tanto teórica
quanto clínica
foi objeto de controvérsia,
de críticas as mais
radicais tanto
positivas quanto negativas,
o que ele
fazia questão de desconhecer
e jamais fez de seu
procedimento no curso de uma análise objeto
de seu ensino,
e era alérgico
ao que chamava de “carta
forçada da clínica”. Creio mesmo,
que o fato
de lacanianos falarem tanto de “casos clínicos”,
não deixa
de ser indicativo
daquilo que no ensino
faltou ao seu lugar,
se fez buraco: ensina-me a fazer, era como um pedido sempre
renovado de forma supersticiosa
a um Lacan mítico que
tudo faz e tudo
sabe à maneira de Rabelais, tal como os pantagruélicos Panurge (tudo
faz) e Epistemão (tudo sabe), e ele impávido colosso mantinha seu
silêncio.
Vejamos o que
nos diz Crisipo (277 – 332 AC) a mais de 2300 anos:
“Ele sustenta que somente o presente existe; o passado e o futuro
subsistem, mas não
existem de modo algum,
segundo ele;
da mesma forma,
somente os atributos
que são
acidentes [atuais]
são ditos
existentes; por exemplo,
o passeio [caminhada]
existe para mim
quando estou passeando [caminhando]; mas, quando
estou deitado ou
sentado ele não
existe”. Crisipo referindo-se a
Ário Dídimo. Citado por Victor
Goldschmidt e Diógenes Laêrtius.
Percebamos
que a existência
aí nessa citação
está assegurada pela consecução de um
ato, ou
seja, um fazer que é sempre presente: o passear ou caminhar. Sabemos que
no sentido do tempo,
o passado e o futuro
são infinitos,
e o presente é finito.
Ou seja, somente
o presente é susceptível de consideração
e mesmo de cálculo. Na história
do pensamento filosófico o Estoicismo além
de ter sido a primeira
sistematização de uma doutrina subverteu
tanto sua
forma quanto seu conteúdo ao
estender a lógica
que deixou então
de ser uma simples
técnica – Organon – e passa a fazer parte do logos
filosófico juntamente com a Física e
a Ética. Surpreendentemente
o estoicismo tem sido na maioria das vezes
reduzido a sua posterior
referência ética
dando lugar a um
discurso moral
ligado ao sacrifício, ao desinteresse e mesmo
ao masoquismo ou
ao cultivo da virtude,
da passividade e da modéstia.
A partir de então
o estoicismo veio
a ser associado
à religião, e a serenidade,
que foi o fundamento
mesmo da ética
estóica terminou por ser
traduzida modernamente como felicidade.
Vejamos o acontecido por uma citação de Frederique Ildefonse de aforismo de Epicteto:
“Um estóico quer
dizer um homem que, na doença se acha feliz,
que moribundo,
se acha feliz, que desprezado e caluniado, se acha
feliz”.
Percebamos a diferença de sentido
quando lemos, através
de outra tradução
– de Luc Ferry, por exemplo
– serenidade no lugar de felicidade?
Serenidade porque?
Porque o elemento
da doença, da morte, da calúnia ou desprezo é tomado como
presente, é o que
é no seu estado
presente, sem,
no entanto, que
o afetado, nele se dissolva por queixas ou ressentimentos. É o que
é, ou, é sendo que somos – tal
como o Conatus espinozano. Com-preendê-lo
não implicando então
mais que
uma atitude ética
filosófica diferente do “dar
a outra face”
do cristianismo. Veremos que é o contrário,
pois como escolha filosófica nada
mais ativa
e questionadora que o estoicismo foi e é em
sua existência.
Além de ser a
primeira sistematização do estudo da linguagem,
a construção de uma semiologia
nova e durável faz do estoicismo um pensamento novo, ainda hoje revolucionário que
permanece contemporâneo, fazendo parte dos estudos
atuais da lingüística
e da semiologia.
Os
estóicos e particularmente Crisipo e
Zenão, criaram e deram fundamento a Teoria dos Incorpóreos
permitindo pela primeira
vez que
os pensadores pudessem pensar
o simbólico sem que
este estivesse hipotecado a uma teoria sobrenatural,
supersticiosa ou
mítica.
Quanto
aos
incorpóreos nós
os encontraremos
como pontos de
sustentação
conceituais de
doutrinas variadas e
mesmo psicanalíticas
em
particular no
ensino
de Jacques Lacan.
Este se fartava e
era pródigo nas
referências e
citações:
o tempo, o lugar,
o vazio e o exprimível
(lekton). A
Escola de Lacan
tinha por inspiração o
Stoa grego
de
onde se origina
Estoicismo
(
ou Stoicismo), o
Pórtico
de Zenão,
que ele
chamará de
refúgio e
que será, suponho, a
base
de
sua enunciação
sobre a
origem
de
seu conceito
institucional
desde o
Ato de Fundação
em 1964, no
Ensino
na Proposição de 1967 e
por
fim na
Dissolução.
“A realidade lógica, o elemento primordial
da lógica aristotélica
é o conceito. Este
elemento para
os Estóicos é completamente outra coisa, não é nem a representação (φαντασία) que
é a modificação da alma corpórea por
um corpo
exterior, nem
a noção (ένοια) que
se formou na alma sob
a ação de experiências
semelhantes. É algo
totalmente novo
que os Estóicos chamam de exprimível (λεχτον)”. Émile Bréhier – A teoria
dos incorporais no antigo estoicismo.
Quando
pensamos o tempo como
um incorpóreo
expresso por
um verbo
em seu
infinitivo como
um lekton, um
exprimível em tensão, mas com a condição de ser puro intervalo,
podemos supor com
Crisipo que se trata
de um intervalo
e um limite “do
começo do futuro
e o fim do passado”,
para um sentido à maneira
da Bedeutung e seu tempo é o da consumação
de um Ato. Ato que faz do exprimível
uma possível expressão
de um verbo,
mesmo sendo de um
substantivo averbado (verdejar,
arvorecer), ou
simplesmente acentuar
seu ritmo,
sua escansão tornando efetivo seu movimento, sendo análogo
ao que Lacan chamou de ponto
de basta. Este
ponto de basta
então acolherá ou
fabricará um sentido
podendo construir uma diferença
que exige do sujeito
um assentimento que
se encaixa em seu
dizer fantasmático. Aqui
ao dizer “um
dizer” atentemos para
a distinção fundamental
entre dizer e
dito e entre
enunciado e enunciação.
O lekton estóico é correlato tanto
do dizer quanto
da enunciação.
“O lekton
[expremível] é o correlato do termo
legein [enunciação]: quando eu
enuncio (lego), enuncio um lekton. O
lekton tem relação com
um acusativo
de objeto interno:
lego lekton. Pensemos no cogito cogitatum leibniziano: eu
penso um
[objeto] pensamento.
Da mesma forma
que, por
correlação, eu
sinto um sensível
na minha atividade
de sentir, eu
“intelijo” um inteligível
na minha atividade
de intelecção, eu
represento um representável em minha atividade de representação,
da mesma forma
que enuncio um
enunciável em minha
atividade de enunciação”.
Frederique Ildefonse – Os
Estóicos – Estação Liberdade.
Para que fique claro basta
pensarmos numa questão muito
simples: trabalhamos com conceitos –
lembremo-nos de Frege – então conceituemos o que
é um conceito?
Ou seja, façamos de nosso
objeto de estudo
um elemento
interno do nosso
próprio proceder temático e veremos que
o transformamos em um
acontecimento tal
qual pensavam os Estóicos e em particular
Crisipo com sua
definição a partir
do próprio. Temos também
o procedimento tão comum
no qual o contador
se conta entre
os contados, ou seja, uma estrutura que é
um simples
esboço paradoxal
onde interior
e exterior se sobrepõe numa simultaneidade tal
com a linha
imaginária “aiônica”.
Com efeito, por sua vez Claude Imbert cita Émile Benveniste, que requer conceitos
que cumpram uma ação
dentro do objeto,
e o vocabulário escolhido por
Crisipo faz dele próprio argumento.
Não basta,
diz ele, postular
o objeto do conhecimento,
é preciso indicar
seu papel dentro do próprio movimento do conhecer e definir a tensão do ato constitutivo da representação
atribuindo seu papel,
e claro, esclarecer
as condições de sua
enunciação. Esta é a função do lekton que
porta e é portada por
um acontecimento
interior ao dizer,
que o torna
uma tensão que
eclodirá quando for expressa,
mas que
conserva sua
característica de, ao ser
enunciada num presente
discursivo que trás
implícito um
tempo que
passa como
“do começo do futuro
e o fim do passado”.
Esta é a dimensão do ATO, do instante
presente de sua
quase sem-espessura, quase-causa, pura dobra ou relevo quase imperceptível.
Mas, no ensino
de Lacan sua elaboração
teórica não
é assim? A própria
prática refletida, elaborada da psicanálise
no sentido lacaniano não é também assim?
Falar em sessões curtas,
médias, longas e mesmo
variáveis sem
se referir ao Ato,
seria uma questão da prática
de Lacan? – Parece-me que não, pois sendo uma prática corriqueira tão evidente
seria mais lógico
nos perguntarmos qual
o conceito de tempo
tomarmos. Haveria uma preocupação com a extensão,
com a duração?
– Não, os cuidados
eram focados na pontuação, no ritmo
e na escansão. Qual o conceito de tempo
poderíamos supor que
estivesse na base do fazer
de Lacan? Temos pistas para
pensar? – Sim,
temos o conceito de Ato
que dentro
as teorias disponíveis
sobre o tempo
salta aos olhos,
e mesmo aos ouvidos
que as pontuações
de Lacan teria uma razão mesmo que às vezes não
parecesse nada razoável:
propiciar a produção de um Ato,
no caso, de um
Ato Analítico.
Ato que
se faz Acontecimento num tempo flutuante
do instante presente,
é como dizia ele:
é sendo que somos [en
étant que’on est]. O gerúndio em sua forma nominal – sendo ou
estando –, cria um
presente em movimento e que
foi forcluido na tradução portuguesa [brasileira]. O ente,
como tradução
do étant não é um tempo verbal de uma declinação,
mas um
substantivo forjado implicando uma extensão.
“Só
fui assim para
me transformar
no que posso ser”
[...]. “Mas, na unidade
interna dessa temporalização, o ente marca
a convergência dos tendo sido. Ou seja, supondo-se outros
encontros desde
qualquer um
desses momentos tendo sido, deles
teria saído um
outro ente
que faria o sujeito
ter sido totalmente
diverso”. J.Lacan, Escritos,
p. 257.
“Só
fui assim para
me transformar
no que posso ser”
[...]. “Mas, na unidade
interna dessa temporalização, o sendo
marca a convergência
dos tendo sido. Ou seja,
supondo-se outros encontros
desde qualquer
um desses momentos
tendo sido, deles teria saído um outro sendo
que faria o sujeito
ter sido totalmente
diverso”. J.Lacan, Escritos,
p. 257.
Vamos tentar ler em francês o que
disse [escreveu] Lacan:
“Je n’ai été ceci que pour devenir ce que
je puis être [...]. “Mais dans l’unité
interne de cette temporalisation, l’étant marque la convergence des ayant
été. C’est-à-dire que d’autres
rencontres étant supposées depuis l’un quelconque des ces moments ayant été,
il en serai issu un autre étant qui le ferait avoir été tout
autrement”. Écrtis, p. 255.
Será que a tradução
do gerúndio do verbo
ser, em sua forma nominal, sendo, estando, seria rigorosamente traduzível por
ente? Ou
seja, o étant como tempo verbal, o
fluir em movimento [sendo que
se é] vestiria a armadura do
substantivo averbado do ser,
do absolutamente existente e extensivo? – Creio que
não! Mas...
Dentro
do ensino de Lacan qual
seria a teoria do tempo
que leva
em consideração
o ATO em
seu instante
presente? – Podemos responder
de imediato: a teoria
Estóica, não simplesmente
leva em
consideração, mas
muito mais
que isto
já que
o tempo estóico é ATO. E um
ato lógico,
pois a lógica,
– termo criado
pelos estóicos –, e o tempo para Lacan é um contínuo fluir sendo ato,
escrito num determinado
tempo variável
e circunstanciado pela relação transferencial ou
quando em
situação clínica,
que visaria a direção
de uma cura, ou
de uma psicanálise à maneira própria
que era
a sua de propiciar
e mesmo provocar
a realização de um
ato.
“Assim, é uma pontuação oportuna que dá
sentido ao discurso
do sujeito. É por
isso que
a suspensão da sessão,
que a técnica
atual transforma numa pausa puramente
cronométrica, e como tal, indiferente
à trama do discurso
desempenha aí
o papel de uma escansão que
tem todo o valor
de uma intervenção, precipitando os momentos conclusivos”. J. Lacan, Escritos,
p. 253.
Leiamos
atentamente: suspensão,
pausa, precipitação, trama do discurso
etc. O que está em
jogo não
é o exprimível, o lekton tal como
evocamos como correlato do dizer e da enunciação?
Faltou acrescentar que
pode também ritmar,
não permitindo a conclusão
indevida na trama
discursiva. Uma verdade, mesmo
bem fundamentada tem hora,
vez e lugar.
“A realidade única do presente, ensinado na teoria
física do tempo,
é então afirmada igualmente
para a vida humana e, em matéria de moral,
traduz-se diretamente por preceitos tais que: “Fazer uso do presente satisfazendo-se da condição
presente e se regozijando por tudo o que
acontece presentemente”, preceitos que
contam como tais
o sumário da ars
vitae””. [...] “Sabemos que na semiologia estóica, “o signo
presente é signo
de uma coisa presente”, nem passada nem por vir. A cicatriz é signo não de que alguém
tenha sido ferido, mas “que ele é [no seu estado presente] tendo sido ferido”; a ferida
no coração não
é signo de que
ele deverá morrer,
mas que
ele “é [em
seu estado
presente] devendo morrer”,
de forma que
o signo presente,
sacado pela
sensação, permite de apreender
o significado, oculto
e invisível, no modo
presente”. Victor Goldschmidt – O sistema
estóico e a idéia de tempo.
Foi Crisipo que no seu ensino da dialética
estóica criou dois lugares
distintos que
deram origem a uma teoria
da linguagem que
quase se torna
autônoma ao sistema
estóico. Foi a primeira semiologia dentro
do rigor que
o termo exige. O ponto
de partida foi a teoria
dos incorpóreos e particularmente
dos lektons. Ele fala no tempo,
no lugar, no vazio
e no lekton para distinguir
dois lugares tópicos: o lugar
dos significantes e o lugar dos significados.
O exemplo tomado de Sexto
Empírico, de conteúdo
situacional da representação é o seguinte:
“ [...]
se digo, Dion é importante distinguir entre
sèmainon [σημαινον], significante
(a matéria fônica Dion, independente
de sua significação), sèmainomenon
[σημαινόμενον], significado, e
tynkhanon [τγχάνον], digamos referente”.
Podemos perceber
a antecipação de mais
de 2300 anos do triângulo
semiótico no que há de mais moderno na
abordagem da linguagem,
na semiologia que
se encontra com
Saussure e vai até Pearce, Derrida,
Benveniste, Eco e mesmo
Frege etc. Mas,
o que temos de novo
e original é o Acontecimento,
então sinônimo
de Sentido. Lacan não se furtou de dizer que o próprio Freud era um acontecimento. Ele
objetivou num elogio fulgurante.
Ele que
é a própria obra,
já que
postulamos fazer com
que o nosso
objeto se torne objeto
de nosso procedimento, seria como se, Freud passasse ao interior
de sua obra,
se tornasse adjetivo e terminasse por ser ele mesmo um averbado sutil, flutuante, indefinido, mas ativo. Assim foi e é com
o próprio Lacan, e podemos mesmo
brincar de que
Lacan criou por si
a extensão do Acontecimento
Freud.
O
Acontecimento é um tempo fora tempo. Um “entre-tempo”. É o tempo
que ex-siste ao tempo.
O Aion que está fora
é um tempo
infinito, mas
que orienta, simples
modo, pois ele é o que
pode nos dar
o Instante em sua eternidade de sem
começo nem
fim. É o que
acontece sendo sacado dentro de seu próprio acontecer. É sendo que se é diz Lacan. Uma espécie
de performativo que busca
apreender o próprio
daquilo que se vive no momento de sua própria efetuação.
Aquele instante
no qual luz
um significante
puro e quando
tentamos dar conta,
apreendê-lo somente apreendemos a nossa própria expectativa, o tempo
de um triz,
um esboço
de ato, pois já se dissipou por
escansão própria, originária,
quase mítica, pois
é o fim do passado e o início
do futuro, num batimento
ao qual ao tentar
sacar já
estamos tomados no próprio acontecer.
Espera que é infinita no seu
instante absoluto
de presente, num se mover
que faz com
que "espera
infinita que
no seu acontecer
já é infinitamente
passada, espera
e reserva". Ou seja, a pontuação de um paradoxo. É análogo ao tempo
do conceito e este
sendo lido como o tempo
da coisa.
É como a epifania
em seu
Instante factual,
no seu próprio
acontecer. O depois
é pura banalidade,
e mesmo pura
ausência de sentido,
mas quando
surgiu foi por ter
sido excesso de sentido
que será então
consumido em sua
própria consumação.
Se considerarmos o tempo como nosso objeto de
especulação estamos dentro
da relação Aion/Cronos. Isto é um tempo infinito que não se objetiva e é simultâneo em sua subsistência sutil e
incorporal, [aion] E outro, um tempo finito, espesso, presente, que se
articula pela simples
tensão interna
de corpos e que
é sucessivo, tempo
que é extensão
[cronos]. Lembremos aqui o Aleph
de Borges no seu acontecer
simultâneo absoluto
que se faz sucessivo
na narrativa, pois
assim é a linguagem
falada ou
escrita.
“[...] O que meus olhos
viram foi simultâneo: o que
irei transcrever, sucessivo,
pois é assim
a linguagem”. J.L. Borges – O Aleph.
“Esse Aleph cristalino
é o órgão de conversão
da simultaneidade de todos os pontos
do espaço em
uma simultaneidade temporal” [...] “esta conversão
do espaço em
tempo, portanto,
leva um
nome: o real”. Dufour, Dany-Robert - Os Mistérios
da Trindade.
Se tomarmos o significante pela sua massa fônica [imagem
acústica] tal
como inaugurou Sexto
Empírico, já
citado, ele será sempre
um presente que escreve uma ausência.
A lógica que
teremos quando consideramos do ponto de vista
lacaniano de que o significante representa o sujeito
para outro significante iremos sacar
que para além da cópula que é postulação
conceitual, seu
caminhar, sua
travessia será de marcas
de ausências que
escrevem uma história que deixa sempre uma abertura
que será de contorno
de um buraco
que jamais
será plenamente preenchido a não ser por aquilo que falta em seu lugar: objeto
a que de maneira
quase espirituosa
podemos dizer que
aqui é onde
a falta de objeto
se faz objeto da falta.
É a presença da ausência,
ou a existência
da inexistência, condição
do pensamento lógico
moderno.
Aqui
temos como um
ponto de basta
ou a efetuação
de um lekton que
se faz expresso, num efetivado paradoxal ou espirituoso, para onde a tensão interna dos corpos,
ou de um
corpo será conhecido,
no sentido de apreendido.
Para isso,
temos de querer, e mesmo
buscar o Acontecimento
tal como
o Conatus espinosano como primeiro ponto da Virtude. O Esforço
(Conatus) para ser
e continuar sendo cujo
percurso é a busca da extensão do poder de afetar e ser afetado,
é o que produz a extensão
do presente. É o instante
da sacada espirituosa,
da presença-ausência do tércio que se
esvai na efetivação da sacada, mas que deixa sua marca: koan, epifania, dito espirituoso [a sacada espirituosa]
que só
apreendemos pelo efeito
paradoxal que
porta e é portado. Este
elemento é o ex do tempo. O fora, ex-cêntrico,
pois é feito
de pura ex-sistência.
A Ética estóica concerne ao Acontecimento:
ela consiste em
querer o acontecimento
como tal,
isto é, em
querer o que
acontece tal como
e enquanto acontece, fazê-lo sempre presente assertivo
da arte de viver (ars vitae). Fazer
com que
aquilo que
é puramente exprimível
se faça expressão, que
o lekton se efetive num elemento discreto do discurso
em relação
transferencial seguindo a tensão de corpos que ele contém tanto
do ponto de vista
da enunciação, do possível,
como do enunciado
que é efetuado logicamente, mas cujo encaixe se dá não
pelos efeitos
imediatos de suas
significações, mas pela
tensão de corpos
que seu
conatus contém e é contido.
Temos de deslocar nossos termos usuais
de representação: dialética,
contradição, opostos
etc e apostemos numa lógica de
dobramentos, desdobramentos e redobramentos que
são conjuntivos
pelo instante
factual, e disjuntivos
em sua
extensão temporal.
É homólogo ao ato de escrever
um tempo
negativo ou
uma cifra, o produto
por qualquer
ângulo que
é tomado é positivo pelo
tempo presente
de sua escritura.
E isso é o processo
primário do significante
no ensino de Lacan, ele
escreve a presença de uma ausência,
que cria
um lugar
num tempo paradoxal,
que não
exclui ou ao contrário,
postula o que chamei de escultura do tempo,
escultura do objeto
a. Procedimento análogo ao Ato do ator ou do bailarino
como nos
lembra Deleuze. Escultura daquilo que falta em seu lugar senão
seria pura reprodução
mimética.
O quê
então esculpimos? – O Vazio no Tempo
criando um Lugar
para o Exprimível,
o lekton.
“O pensamento
moderno mostrou que
todo julgamento
é um ato
[...] no qual o momento
de concluir e o tempo
para compreender pode durar tão pouco quanto ao
instante de olhar”.
J. Lacan. Écrits, p. 211/212.
Se quisermos criar
uma quase-extensão ou uma quase-causa de
tempo para as
sessões variáveis
de Lacan, seria a do Instante. Tempo para compreender e momento
de concluir pode induzir
a busca de uma verificação
que então
se faz extensão. Aquele
que saca
– o $ujeito –, lhe dando suporte, o que ele saca é o efeito na posterioridade aí
sim podemos ter
uma extensão em
paradoxo. A não
ser que
postulemos uma clínica modelar,
mimética cujo proceder
trabalha com
uma realidade e cujo
processo seria como
a do uso do formão
e do martelo. Teríamos em conseqüência
de refutar a teoria
do ato e do objeto a, duas invenções de Lacan sem
as quais sua
clínica perde sua
distinção e possivelmente sua eficácia.
Torna-se vulgar sem
nenhum diferencial de outra qualquer
e não seria uma clínica
rigorosamente lacaniana.
Atenciosamente
Alduisio