domingo, 30 de janeiro de 2011

Profetas contemporâneos: desafios para a missão de um pastor.

Waldir Martins

A tarefa de ser pastor nunca foi fácil de ser desenvolvida, inclusive se considerarmos a percepção negativa que muitos têm a nosso respeito. Particularmente, vivo às “turras” com a missão que recebi. Desenvolvo-a de forma visceral há mais de 15 anos, mas não há um dia que em que eu não tenha sérios questionamentos quanto a essa missão.

O ministério pastoral é e deve ser compreendido como um chamado divino. Talvez por essa razão, suas funções, a despeito de bem humanas, têm alcance inimaginável. Nós não temos a noção exata do impacto das nossas palavras na vida das pessoas que nos ouvem com as mais diversas expectativas e necessidades. Por mais que queiramos dessacralizar a nossa atuação, e o nosso discurso, para muitos, ouvir um pastor, um padre ou outra liderança religiosa é muito diferente de ouvir um professor, um sociólogo ou um filósofo, por exemplo.

Ainda assim, convivemos com um imaginário multifacetado sobre a figura do pastor. Provavelmente, se perguntarmos para diferentes pessoas ou grupos, cada um deles deverá manifestar uma visão diversa sobre o papel de um pastor. Mas, a despeito desse olhar geral da sociedade, penso que cada pastor deve ter a sua própria percepção da missão que recebeu do Senhor, para não capitular diante de tantos olhares divergentes sobre a sua própria figura. E aqui vão alguns deles: um mercenário, que vive para explorar o dinheiro e a boa fé das pessoas. Ou um vendedor de ilusões, um charlatão que faz pouco caso da fé das pessoas. Ou, ainda, alguém que vive regaladamente, um aproveitador da miséria dos outros, vivendo um padrão de vida sempre superior ao dos seus fiéis.

Aqui pagamos o preço da generalização do tipo de “evangélico” que predomina no Brasil, o que contribui para a consolidação daqueles estereótipos de um pastor. Isso porque, lamentavelmente, muitas igrejas existem e têm como estratégia de crescimento a dilapidação do patrimônio das pessoas – para muitos, “o dinheiro da igreja vai mesmo para o bolso do pastor”.

Além dessas percepções, acrescento o olhar da própria igreja, nem sempre muito generoso. O pastor pode ser o “Anjo da igreja”, sempre amoroso, paciente, comedido nas suas palavras. Pode ainda ser o pregador, administrador, visitador, enfim, alguém com aptidão para qualquer demanda que seja. Ele pode ser até um “Super – homem” que nunca fica triste, está sempre pronto para o que der e vier, com um sorriso nos lábios, de preferência.

Sem querer generalizar, a igreja tende a olhar o seu pastor para além da sua humanidade. Às vezes, esquece-se que ali, por trás daquele sujeito aparentemente imbatível, há alguém que precisa de solidariedade, de compreensão. Alguém tão “gente” quanto qualquer outra pessoa. Às vezes até um “meninão” em alguns aspectos da vida. Mas o grande problema não é a igreja olhá-lo dessa forma, mas ele aceitar ser o “anjo” da igreja, ser o “super-homem” e subir nesse pedestal...

O olhar do pastor sobre si mesmo também precisa ser aqui considerado: pode torná-lo intolerante, muito exigente consigo e com os seus familiares, com extrema dificuldade de dizer não e de assumir seus limites e seus pecados. E é uma grande tarefa nos livrarmos desses olhares denunciantes de nós para nós mesmos, sem querer responder de uma forma ou de outra, o que dificulta percebermos em que realmente consiste a missão do pastor nos dias de hoje.

Quando lembro da imagem do Senhor Jesus conversando com Pedro, questionando-lhe sobre o seu amor e mandando-o pastorear a suas ovelhas, ( João 21:17ss), me vem à mente a imagem do pastor como aquele que cuida do seu rebanho, entendendo aqui o cuidado como a imersão na alma da sua comunidade. Gosto de lembrar o Rubem Alves dizendo que não precisamos convencer as pessoas com as nossas verdades, mas seduzí-las. Ele dizia: primeiro ganhe o coração das pessoas depois a razão aparece... As pessoas vão gostar de você antes de concordar com as suas idéias. Ninguém resiste, num momento de dor, à simbólica presença do pastor num hospital ou numa visita domiciliar. A sensação é a de que todas as divergências vão por água abaixo quando o pastor é pastor para alguém que precisa de um pastor. Embora seja certo que, às vezes, a burocracia de uma igreja rouba do pastor a oportunidade de exercer a essência da sua missão, que é o cuidado com as pessoas.

Além disso, o pastor deve ser alguém devidamente sintonizado com o seu tempo, deve praticar a leitura da realidade que o cerca. Não acho que ele deva dominar todas as novas tecnologias, mas ter a capacidade de entender os valores que dominam os seus dias; deve saber da importância da política, e da importância política do seu papel; deve entender como as forças do capital dominam e escravizam milhares e milhares de vidas que não têm voz e nem quem fale por elas; deve assumir que o poder político em mãos inescrupulosas precisa ser denunciado, mas não deve jamais permitir que seu ministério seja utilizado nem pela direita nem pela esquerda sob quaisquer pretextos. O pastor deve entender-se como o homem ou a mulher de Deus vivendo hoje com a responsabilidade de pastorear um rebanho e, dentro das suas limitações, ajudar a livrá-los dos lobos ferozes que se apresentam em peles de cordeiro.

Entendo também que o pastor deve prosseguir na busca pela identificação com as pessoas, e não ser apenas um intelectual, alguém que fala bonito sobre os pobres ou sobre a pobreza, mas que tenha identidade com eles. E se você conhece pastores que lucram para se manterem em silêncio diante de injustiças, saiba que temos exemplos daqueles com coragem profética, que não mediram esforços para serem fiéis testemunhas, mártires em nome do evangelho da justiça.

Trago à memória dois pastores, em particular: o luterano Dietrich Bonhoeffer, que em nome do seu compromisso radical com o Senhor Jesus e o amor ao seu povo, enfrenta o regime de Hitler, é preso e enforcado pouco tempo antes da vitória dos aliados. Outro exemplo é o do bispo Oscar Romero, de El Salvador, assassinado como represália à sua atuação profética em favor do povo salvadorenho.

Mas aproveito a ocasião para trazer algumas palavras daquele que ficou conhecido como o “profeta do Araguaia” e também primoroso poeta, D. Pedro Casaldáliga. Bispo em São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, por 35 anos, ali desenvolveu seu ministério, profundamente comprometido com a causa dos pobres, dos indígenas, dos posseiros, dos peões, mantendo sua igreja humilde, simples, aberta e acolhedora.

Ao realizar uma palestra na Universidade Católica de Goiânia, falando sobre o profetismo na igreja, ele afirmou que: “profeta é aquele que tem a acuidade necessária para ver e para ouvir a Deus; para ver e ouvir os homens. Para interpretá-los: os homens e a Deus. O profeta é um inconformado com a situação de pecado e de injustiça que aí está. É um inseguro e sente medo, porque sabe o quanto arrisca. É um radical, porque vê o “novo” de Deus e conclama à novidade de Deus. Sua palavra – como o dabar bíblico – não é somente palavra dita; é atitude, gesto, prática. Palavra que não se cumpre não é palavra de Deus.”

Em outra ocasião, numa entrevista quando da sua renúncia ao bispado por completar 75 anos, o repórter lhe pergunta: “Depois de 35 anos na região, o senhor é feliz?”. D. Pedro responde: “Eu tenho paz. Aquela paz do Evangelho. Uma paz diferente. Agora eu vivo com amargura da impotência frente a esse mundo injusto, frente à prepotência dos grandes, seja dos impérios, seja das oligarquias. Essa situação de fome, de violência e guerra preventiva que acabam de inventar. Estava lendo agora uma mensagem de um companheiro, que é diretor de Justiça e Paz da nossa congregação. E ele se pergunta se pode celebrar o Natal. É evidente que sim, mas celebrar com uma espécie de revolta evangélica, frente a tanta iniquidade. Agora, estou feliz porque tenho esperança. Perguntou-me uma revista: "Você é alegre?". Respondi, recordando um verso de Cecília Meireles: "Não sou alegre nem sou triste: sou poeta!". Mas, eu concluí dizendo que a minha alegria se chama esperança. Às vezes, como dizia São Paulo, uma esperança contra toda a esperança, mas se é esperança, não falha”.

Enfim, por mais humana que seja a nossa tarefa, há um quê de divino naquilo que fazemos. No exercício do ministério pastoral passamos a ter algumas permissões para entrar em domínios na vida das pessoas, que não são permitidos a outros profissionais. Passamos a ter acesso a informações ou confissões que nem mesmo o psicólogo ou o psiquiatra da pessoa terão.. Daí a responsabilidade que paira sobre nós, reles mortais com a missão de pastorear.

Se posso recomendar algo a um colega pastor, eu diria que desenvolva a sensibilidade no trato com as pessoas; estabeleça o diálogo com a comunidade e tenha como propósitos da vida servir a Deus servindo as pessoas, e servir as pessoas servindo a Deus.

Talvez, no final das contas, o que todos nós precisamos é ouvir do Senhor as palavras que Jesus ouviu quando do seu batismo e início do ministério: “Este é o meu filho amado, em que me comprazo” (Mateus 3:17). Penso que, com isso, todos os demais olhares da sociedade, da igreja, além do seu próprio olhar serão relativizados pelo simples olhar do Senhor que diz: “Tu és o meu filho amado”.

Notas:

[1] Esta Reflexão foi apresentada no culto de posse do Pr. Moisés Alves, na Igreja Batista Nazareth, em 26/12/10.
[2] A entrevista concedida por D. Pedro Casaldáliga está disponível em: http://www.pime.org.br/mundoemissao/testemunhosbispo.htm.

Referências:

Aguirre. Pe. Luis Pérez. Homilia no segundo aniversário do martírio de D. Oscar Romero. In: Sinais de vida e fidelidade. Testemunhos da Igreja na américa Latina (1978 - 1982). São Paulo: Edições Paulinas: 1986.
Bonhoeffer, Dietrich. Tentação. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1983.
Casaldáliga, Pedro. Na procura do Reino: antologia de textos, 1968-1988. São Paulo: Editora FTD, 1988.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

CHARLES BUKOWSKY

A Love Poem


todas as mulheres

todos os beijos as

diferentes formas que amam e

falam e carecem.

suas orelhas todas elas têm

orelhas e

gargantas e vestidos

e sapatos e

automóveis e ex-

maridos.

na maioria das vezes

as mulheres são muito

quentes elas me lembram

torrada com a manteiga

derretida

nela.

está estampado no

olhar: elas foram

tomadas elas foram

enganadas. eu nunca sei o que

fazer por

elas.

sou

um bom cozinheiro um bom

ouvinte

mas nunca aprendi a

dançar — eu estava ocupado

com coisas maiores.

mas eu apreciei suas variadas

camas

fumando cigarros

olhando para o

teto. não fui nocivo nem

desleal. apenas

um aprendiz.

eu sei que todas têm

pés e descalças elas andam pelo piso enquanto

eu olho suas modestas bundas no

escuro. sei que gostam de mim, algumas até

me amam

mas eu amo muito

poucas.

algumas me dão laranjas e vitaminas;

outras falam mansamente da

infância e pais e

paisagens; algumas são quase

loucas mas nenhuma delas deixa de fazer

sentido; algumas amam

bem, outras nem

tanto; as melhores no sexo nem sempre são as

melhores em outras

coisas; cada uma tem seus limites como eu tenho

limites e nós aprendemos

cada qual

rapidamente.

todas as mulheres todas as

mulheres todos os

quartos

os tapetes as

fotos as

cortinas, é

algo como uma igreja

raramente se ouve

uma risada.

essas orelhas esses

braços esses

cotovelos esses olhos

olhando, o afeto

e a carência eu tenho

agüentado eu tenho

agüentado.