quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

PAUL TILLICH


A verdade da doutrina dos poderes angélicos e demoníacos é que existem estruturas supra-individuais de bondade e estruturas supra pessoais de maldade. Anjos e demônios são nomes mitológicos para poderes construtivos e destrutivos do ser, que são ambiguamente entrelaçados e que se combatem mutuamente na mesma pessoa, no mesmo grupo social, e na mesma situação histórica. Eles não são seres, mas poderes de ser dependentes da estrutura global da existência e implicados na vida ambígua. O Homem é responsável pela transição da essência à existência porque ele tem liberdade finita e porque todas as dimensões da realidade estão unidas nele.
TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. Sinodal – IEPG. São Leopoldo. 2000. p 285 e 286

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

SIGMUND FREUD - Citações...



  • "Acho que estou mudando muito. Vou dizer-lhe detalhadamente o que me está afetando. Charcot, que é um dos maiores médicos e um homem cujo senso comum tem um toque de gênio, está simplesmente desarraigando minhas metas e opiniões. Por vezes, saio de suas aulas como se estivesse saindo da Notre Dame, com uma nova idéia de perfeição. Mas ele me exaure; quando me afasto, não sinto mais nenhuma vontade de trabalhar em minhas próprias bobagens; há três dias inteiros não faço qualquer trabalho, e não tenho nenhum sentimento de culpa. Meu cérebro está saciado, como se eu tivesse passado uma noite no teatro. Se a semente frutificará algum dia, não sei; o que sei é que ninguém jamais me afetou dessa maneira..."
    Trecho de uma carta que Freud escreveu à futura esposa logo após ter chegado a Paris (24/11/1885) [ES, III, 19-20]



  • "Se é verdade que a causação das enfermidades histéricas se encontra nas intimidades da vida psicossexual dos pacientes, e que os sintomas histéricos são a expressão de seus mais secretos desejos recalcados, a elucidação completa de um caso de histeria estará fadada a revelar essas intimidades e denunciar esses segredos."
    Trecho de "Fragmento da Análise de Um Caso de Histeria" (1905[1901]) [ES, VII, 5-6]


A POESIA MATUTA DE ZÉ DA LUZ

Ai! Se sêsse!...

Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dos se impariásse,
Se juntinho nós dois vivesse!
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse;
Se juntinho nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué toulíce?
E se eu me arriminasse
e tu cum insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse?...
Tarvez qui nós dois ficasse
tarvez qui nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôdas fugisse!!!

sábado, 26 de janeiro de 2008

OLAVO BILAC

De outras sei
IX
De outras sei que se mostram menos frias,
Amando menos do que amar pareces.
Usam todas de lágrimas e preces:
Tu de acerbas risadas e ironias.

De modo tal minha atenção desvias,
Com tal perícia meu engano teces,
Que, se gelado o coração tivesses,
Certo, querida, mais ardor terias.

Olho-te: cega ao meu olhar te fazes ...
Falo-te — e com que fogo a voz levanto!
—Em vão... Finges-te surda às minhas frases...

Surda: e nem ouves meu amargo pranto!
Cega: e nem vês a nova dor que trazes
À dor antiga que doía tanto!

GLAUCO MATTOSO


655 SHANGRILADO [a Omar Khouri] [2003]


Chamada de "Anti-Alá", "Grande Satã",

a bélica potência americana,

de olho no petróleo, negra grana,

investe contra o Iraque de Saddam.


Sem ser do ditador capanga ou fã,

vê cada muçulmano com que gana

o sacro território lhe profana

o ianque, como agira no Vietnam.


Os Bushes, novos "boches", são "nazistas",

"falcões do imperialismo", mas por trás

da América há Sharons capitalistas.


Franceses, russos, fingem pedir paz...

O mundo, aos civis mortos, grossas vistas

em nome dum "pós-guerra humano" faz.

BRÁULIO TAVARES


Eis um verdadeiro clássico da poesia erótica brasileira (apesar da linguagem um tanto chula)

Poema da buceta cabeluda

A buceta da minha amada
tem pêlos barrocos, lúdicos, profanos.
É faminta como o polígono-das-secas
e cheia de ritmos como o recôncavo-baiano.
A buceta da minha amada é cabeluda como um tapete persa.
É um buraco-negro bem no meio do púbis do Universo.
A buceta da minha amada é cabeluda, misteriosa, sonâmbula.
É bela como uma letra grega:
é o alfa-e-ômega dos meus segredos,
é um delta ardente sob os meus dedos
e na minha língua é lambda.
A buceta da minha amada é um tesouro
é o Tosão de Ouro é um tesão.
É cabeluda, e cabe, linda, em minha mão.
A buceta da minha amada me aperta dentro,
de um tal jeito que quase me morde;
e só não é mais cabeluda do que as coisas
que ela geme quando a gente fode.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

ZÉ DUDA DO ZUMBI

José Duda do Zumbi (Manoel Galdino da Silva Duda), no ocaso da vida, com a experiência da idade, disse para José Miguel, jovem companheiro, com quem duelava:

Fui moço, hoje estou velho!
Pois o tempo tudo muda!
Já fui um dos cantadores
Chamado Deus nos acuda ...
Este que estão vendo aqui
Foi Zé Duda do Zumbi!
Hoje Zumbi do Zé Duda!

CEGO ADERALDO: Poeta e Cantador


Certa vez, em uma palestra, Leonardo Mota leu para o cego Aderaldo umas estrofes em que Luís Dantas Quesado falava de coisas difíceis de serem vistas. Imediatamente, o cego repentista improvisou estas sextilhas:


Só nos falta vê agora

carrapato em farinha

Cobra com bicho-de-pé

Foice metida em bainha

Tarrafa feita sem linha


Muito breve há de se vê

Pisá-se vento em pilão

Botá freio em caranguejo

Fazê de gelo carvão

Carregá água em balaio

Burro subi em balão.


(MOTA, Leonardo. Cantadores)

Cego Aderaldo

Quando sua mãe morreu, Aderaldo foi tentar conseguir algum dinheiro para fazer o sepultamento dela, pois, viviam em extrema pobreza. Sabendo que tinha chegado à cidade um grupo de homens endinheirados ele dirigiu-se ao bar onde eles estavam bebendo e se deu o seguinte diálogo narrado pelo próprio poeta:
- É este o cego que canta? – perguntou um deles. - Sou, sim senhor. E vim aqui, batido pelo infortúnio, pedir a tanta nobreza um auxílio para enterrar minha mãezinha... Ouvi alguém dizer: - Ah, morreu-lhe a mãezinha... Houve uma espécie de risada. Os corpos tiniram. Acho que se serviram outra vez. - Bem, nós ajudamos, mas primeiro você tem que cantar! Outro mais atrevido: - Falou que a mãe dele morreu? Não vale nada! Quem tem a mãe viva, tem o Diabo para atentar! Aí, o sangue subiu. Mas logo me lembrei dos conselhos que minha mãe me dera antes de morrer. A provação começava. Era o mundo com sua corte de maldade, me experimentamos. - Cante, ceguinho, que nós lhe damos uma esmola. Eu temperei a garganta, limpando o entalo, e com o coração cheio de dor, cantei então:

“ Oh! Meu Deus do alto céu,
Lá da celeste cidade,
Ouça-me cantar á força
Devido á necessidade,
Aqui chorando e cantando
E mamãe na eternidade...

Perdoe, minha Mãe querida,
Não é por minha vontade:
São os torturas da vida
Que vêm com tanta maldade,
Chorarei meus sentimentos
De vê-la na Eternidade!”

Manuel Bandeira





O SILENCIO


Na sombra cúmplice do quarto,

Ao contacto das minhas mãos lentas

A substância da tua carne

Era a mesma que a do silêncio.

Do silêncio musical, cheio

De sentido místico e grave,

Ferindo a alma de um enleio

Mortalmente agudo e suave.

Ah, tão suave e tão agudo!

Parecia que a morte vinha…

Era o silêncio que diz tudo

O que a intuição mal advinha.

É o silêncio da tua carne.

da tua carne de âmbar, nua,

Quase a espiritualizar-se

Na aspiração de mais ternura.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

O que é Literatura de Cordel


As origens da Literatura de Cordel (LC) brasileira ainda hoje permanecem sujeitas a controvérsias que geraram, ao longo do tempo, debates calorosos a respeito de sua descendência européia ou seu surgimento no Nordeste do Brasil. É certo que a LC possui raízes na literatura oral e sendo uma poesia narrativa, encontramos práticas similares na antiga Grécia, Ásia, África e na Europa. O fato de que as primeiras histórias do cordel brasileiro tenham sido adaptações dos romances de cavalaria da Europa medieval, também reforça a tese da origem ultramarina; em Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Holanda e Alemanha já existiam folhetos em prosa e poesia vendidos nas feiras a preços baixos narrando histórias tradicionais como: Carlos Magno e os doze pares de França, Princesa Magalona, Imperatriz Porcina, Donzela Teodora, Roberto do Diabo; fatos históricos e até poesia erudita – como Góngora e as trovas de Gil Vicente – eram transcritos para os livretos e declamados pelos menestréis e jograis. Toda essa literatura volante européia certamente chegou ao continente americano; no México, por exemplo, encontramos um tipo de desafio verbal semelhante ao dos repentistas nordestinos, chamado de “contrapunteo”, além do “corrido” – folheto semelhante ao nosso cordel narrando histórias tradicionais em verso ou prosa –, que também se manifesta na Nicarágua, no Peru, no Chile e na Argentina. Tomemos como exemplo este corrido da época da revolução mexicana intitulado “El fusilamiento del general Felipe Ángeles”:

Em mil novecientos veinte
señores, tengan presente,
fusilaron em Chihuahua
um general muy valiente.

Em la estacion de la Aurora
el valiente general,
com veinte hombres que traía,
se lês paraba formal.

Alli perdió diez dragones
de los veinte que traía
y com el resto se fué
por toda la serrania.

O termo “literatura de cordel” – herança lusitana – é derivado da forma de exposição dos folhetos, pendurados em barbantes, nas feiras, praças e ruas de Portugal; no entanto, também receberam outras denominações, como “folhas soltas”, “folhas volantes” e “literatura de cegos”, já que a comercialização foi feita durante muito tempo pela Irmandade do Menino Jesus dos Cegos de Lisboa, que, em 1789, obteve os direitos exclusivos de venda. Na Espanha, os folhetos eram conhecidos como “pliegos sueltos” ou simplesmente “hojas”, chegaram a ser proibidos pelo rei Carlos III devido ao plágio das obras eruditas e seu humor obsceno; na França era “littérature de colportage”, ou literatura volante, dividida em “occasionnels” para o público rural e “canard” para o urbano; na Inglaterra os folhetos também eram divididos em duas categorias, os “cocks” ou “catchpennies” para os romances, e os “broadsides (lado largo)” para os fatos históricos; na Holanda e na Alemanha os folhetos datam do século XV e XVI, contando inclusive com um tipo de apresentação semelhante ao cordel brasileiro, xilogravura temática na capa e formato tipográfico similar; e, fato curioso, são nesses dois países que aparecem os primeiros livretos de cordel que falam sobre o Brasil, como o que traz a história de Hans Staden. Slater (1984:10) observa que as versões orais e escritas dos folhetos portugueses influenciaram o cordel nordestino, mas salienta uma peculiaridade de nosso cordel: “com exceção de pequeno número de preces em prosa”, ele é exclusivamente poético. Um outro aspecto que também aproxima o nosso cordel de seus congêneres europeus é a derivação da literatura oral com sua forma característica de divulgação: trovadores, menestréis e jograis levavam às massas populares nas feiras e festividades, uma versão cantada da literatura erudita consumida pela “corte” e pelo clero; e no Nordeste, muito antes da existência dos livretos de cordel, nossos “repentistas” e “cantadores” faziam a alegria das feiras e festas com os desafios verbais – pelejas – e histórias de amor e heroísmo para o deleite do povo analfabeto e semi-alfabetizado do sertão e agreste nordestino.