segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

OLEGÁRIO MARIANO


ARREPENDIMENTO


Deste amor torturado e sem ventura
Resta-me o alívio do arrependimento.
O pouco que me deste de ternura
Não vale o que te dei de encantamento.


Abri para o teu sonho o firmamento,
Semeei de estrelas tua noite escura.
Dei-te alma, exaltação e sentimento.
Fiz de um bloco de pedra uma criatura.


Hoje, ambos à mercê de sorte avessa,
Se para te esquecer luto e me esforço,
Manda-me o coração que não te esqueça.


Padecemos idêntico suplício:
Tu - corroída de pena e de remorso,
Eu - com vergonha do meu sacrifício.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

FLORBELA ESPANCA


EU

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida! ...

Sou aquela que passa e ninguém vê ...
Sou a que chamam triste sem o ser ...
Sou a que chora sem saber porquê ...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

LUÍS VAZ DE CAMÕES

Soneto 005

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

ANTONIO MACHADO - 2

Cantares...

Todo pasa y todo queda,
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre el mar.
Nunca perseguí la gloria,
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles,
como pompas de jabón.

Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse...
Nunca perseguí la gloria.

Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino
sino estelas en la mar...

Hace algún tiempo en ese lugar
donde hoy los bosques
se visten de espinos
se oyó la voz de un poeta gritar
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."
Golpe a golpe, verso a verso...

Murió el poeta lejos del hogar.
Le cubre el polvo de un país vecino.
Al alejarse le vieron llorar.
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."
Golpe a golpe, verso a verso...

Cuando el jilguero no puede cantar.
Cuando el poeta es un peregrino,
cuando de nada nos sirve rezar.
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."
Golpe a golpe, verso a verso.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

ANTONIO MACHADO - 1


Dijo una voz popular:
Quién me presta una escalera
para subir al madero para
quitarle los clavos
a Jesús el Nazareno?
Oh, la saeta, el cantar
al Cristo de los gitanos
siempre con sangre en las manos
siempre por desenclavar.
Cantar del pueblo andaluz
que todas las primaveras
anda pidiendo escaleras
para subir a la cruz.
Cantar de la tierra mía
que echa flores
al Jesús de la agonía
y es la fe de mis mayores !
Oh, no eres tú mi cantar
no puedo cantar, ni quiero
a este Jesús del madero
sino al que anduvo en la mar!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

CECÍLIA MEIRELES




ÍSIS



E diz-me a desconhecida:"
Mais depressa! Mais depressa!"
Que eu vou te levar a vida! . . .

"Finaliza! Recomeça!"
Transpõe glórias e pecados! . . .
"Eu não sei que voz seja essa

Nos meus ouvidos magoados:
Mas guardo a angústia e a certeza
De ter os dias contados . . .

Rolo, assim, na correnteza
Da sorte que se acelera,
Entre margens de tristeza,

Sem palácios de quimera,
Sem paisagens de ventura,
Sem nada de primavera . . .

Lá vou, pela noite escura,
Pela noite de segredo,
Como um rio de loucura . . .

Tudo em volta sente medo . . .
E eu passo desiludida,
Porque sei que morro cedo . . .

Lá me vou, sem despedida . . .
Às vezes, quem vai, regressa . . .
E diz-me a Desconhecida:

"Mais depressa" Mais depressa" . . .

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

WALT WHITMAN


O Captain my Captain!

O Captain my Captain! our fearful trip is done,
The ship has weathered every rack, the prize we sought is won,
The port is near, the bells I hear, the people all exulting,
While follow eyes the steady keel, the vessel grim and daring;
But O heart! heart! heart!
O the bleeding drops of red,
Where on the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.
O Captain! my Captain! rise up and hear the bells;
Rise up--for you the flag is flung for you the bugle trills,
For you bouquets and ribboned wreaths for you the shores a-crowding,
For you they call, the swaying mass, their eager faces turning;
Here Captain! dear father!
This arm beneath your head!
It is some dream that on the deck,
You've fallen cold and dead.
My Captain does not answer, his lips are pale and still;
My father does not feel my arm, he has no pulse nor will;
The ship is anchored safe and sound, its voyage closed and done;
From fearful trip the victor ship comes in with object won;
Exult O shores, and ring O bells!
But I, with mournful tread,
Walk the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.

Ateus e ateus

Há dois tipos de ateus: os que não acreditam que Deus existe e os que acreditam piamente que Deus não existe. Os primeiros relutam em crer naquilo de que não têm experiência. Os segundos não admitem que possa existir algo acima da sua experiência. A diferença é a mesma que há entre o ceticismo e a presunção de onissapiência.
Acima da distinção de ateus e crentes existe a diferença, assinalada por Henri Bergson, entre as almas abertas e as almas fechadas. Vou explicá-la a meu modo. Como tudo o que sabemos é circunscrito e limitado, vivemos dentro de uma redoma de conhecimento incerto cercada de mistério por todos os lados. Isso não é uma situação provisória. É a própria estrutura da realidade, a lei básica da nossa existência. Mas o mistério não é uma pasta homogênea. Sem poder decifrá-lo, sabemos antecipadamente que ele se estende em duas direções opostas: de um lado, a suprema explicação, a origem primeira e razão última de todas as coisas; de outro, a escuridão abissal do sem-sentido, do não-ser, do absurdo. Há o mistério da luz e o mistério das trevas. Ambos nos são inacessíveis: a esfera de meia-luz em que vivemos bóia entre os dois oceanos da claridade absoluta e da absoluta escuridão.
O simbolismo imemorial dos estados "celestes" e "infernais" demarca a posição do ser humano no centro do enigma universal. Essa situação - a nossa situação - é de desconforto permanente. Ela exige de nós uma adaptação ativa, dificultosa e problemática. Daí as opções da alma: a abertura ao infinito, ao inesperado, ao heterogêneo, ou o fechamento auto-hipnótico na clausura do conhecido, negando o mais-além ou proclamando com fé dogmática a sua homogeneidade com o conhecido. A primeira dá origem às experiências espirituais das quais nasceram os mitos, a religião e a filosofia. A segunda leva à "proibição de perguntar", como a chamava Eric Voegelin: a repulsa à transcendência, a proclamação da onipotência dos métodos socialmente padronizados de conhecer e explicar.
A religião é uma expressão da abertura, mas não é a única. A simples admissão sincera de que pode existir algo para lá da experiência usual basta para manter a alma alerta e viva. É possível ser ateu e estar aberto ao espírito. Mas o ateu militante, doutrinário, intransigente, opta pela recusa peremptória do mistério, deleitando-se no ódio ao espírito, na ânsia de fechar a porta do desconhecido para melhor mandar no mundo conhecido.
Dostoiévsky e Nietzsche bem viram que, abolida a transcendência, só o que restava era a vontade de poder. Aquele que proíbe olhar para cima faz de si próprio o topo intransponível do universo. É uma ironia trágica que tantos adeptos nominais da liberdade busquem realizá-la através da militância anti-religiosa. As religiões podem ter-se tornado violentas e opressivas ocasionalmente, mas a anti-religião é totalitária e assassina de nascença. Não é uma coincidência que a Revolução Francesa tenha matado dez vezes mais gente em um ano do que a Inquisição Espanhola em quatro séculos. O genocídio é o estado natural da modernidade "iluminada".

Olavo de Carvalho
Jornal do Brasil, 15 de março de 2007

MÁRIO QUINTANA


    • [O Trágico Dilema]Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.

    • A poesia não se entrega a quem a define.

    • A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.

    DA FELICIDADE

    Quantas vezes a gente, em busca da ventura,

    Procede tal e qual o avozinho infeliz:

    Em vão, por toda parte, os óculos procura

    Tendo-os na ponta do nariz!


    Quem faz um poema abre uma janela.

    Respira, tu que estás numa cela abafada, esse ar que entra por ela.

    Por isso é que os poemas têm ritmo- para que possas profundamente respirar.

    Quem faz um poema salva um afogado.

    sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

    RUBEM ALVES

    3. Mitos são profecias – representações poéticas do destino humano. A Torre de Babel – símbolo da mais arrogante pretensão dos homens: queriam ser iguais a Deus, queriam ter poder absoluto. Pensavam que o poder, forte, lhes garantiria o viver, fraco. Mas quando o “amor ao poder“ se torna o motivo dominante das ações humanas, a linguagem entra em colapso: os homens perdem a capacidade de se entender: a confusão das línguas. O dinheiro é o símbolo supremo do amor ao poder. Nele estão as sementes da autodestruição. No dia 11 de setembro de 2001 o mito se transformou em história: a destruição das Torres...
    5. Globalização. Globo. Tudo está ligado numa estrutura única. Globalização: todas as partes do nosso mundo estão inter-ligadas. O dinheiro faz as ligações. Dinheiro é poder. O poder não entende a linguagem do amor. Daí a “confusão das línguas“. Essa é uma das lições mais preciosas de Marx: o capitalismo não conhece os “valores de uso“ – ligados à vida; só conhece os “valores de troca“, ligados ao dinheiro.
    11. Psicologia: pus-me na posição do piloto, seu avião apontado na direção da Torre. Imaginei o que teria sentido. Medo? De forma alguma. Certamente havia um sorriso nos seus lábios. Ele devia estar possuído por uma alegria imensa, inebriado pelo seu deus: a Morte. O desejo de vingança é um dos desejos mais profundos e mortíferos da alma humana.
    12. Sansão, como é sabido, foi um herói bíblico, de força descomunal. Seduzido por Dalila, filistéia linda, ele lhe revela o segredo de sua força: os cabelos. E ela, valendo-se do seu sono, os corta. Fraco, é preso pelos seus inimigos que lhe furam os olhos. O que se segue é a transcrição de um texto bíblico. Sansão estava cego mas seus cabelos haviam crescido. É então levado pelos seus inimigos para uma grande celebração de triunfo, num templo. “E Sansão clamou por Deus e disse: Dá-me forças para me vingar dos Filisteus... E Sansão se colocou entre as duas colunas sobre as quais a estrutura do templo se apoiava, a mão direita contra uma, a mão esquerda contra a outra – e sobre elas colocou toda a sua força. E o templo ruiu sobre os líderes e sobre o povo. E assim, aqueles que ele matou com sua morte foram mais numerosos que todos os que havia morto com a sua vida...“ (Livro de Juizes 17: 28-30). É possível que a lenda do piloto esteja sendo contada ao lado da lenda de Sansão...
    13. Os terroristas não se chamam terroristas. Somos nós que lhes damos esse nome. Eles se acreditam instrumentos de Deus para o estabelecimento da verdade. Não são suicidas. São mártires que se sacrificam para que a verdade triunfe. Aquelas Torres eram templos do Demônio. Haverá coisa mais importante no mundo que derrotar o Demônio? Contra ele todos os métodos são legítimos. Que são umas poucas vidas quando o destino do universo está em jogo? Não era assim que pensava a Igreja quando acendia fogueiras para queimar os hereges em praça pública, em espetáculos oferecidos para prazer e edificação espiritual das pessoas mais delicadas e religiosas?
    (Correio Popular, Caderno C, 16/09/2001.)

    FERNANDO PESSOA


    Uns

    Uns, com os olhos postos no passado,
    Vêem o que não vêem: outros, fitos
    Os mesmos olhos no futuro, vêem
    O que não pode ver-se.


    Por que tão longe ir pôr o que está perto —
    A segurança nossa?
    Este é o dia, Esta é a hora, este o momento, isto
    É quem somos, e é tudo.


    Perene flui a interminável hora
    Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
    Em que vivemos, morreremos.
    Colhe o dia, porque és ele.