sábado, 2 de fevereiro de 2013

A Mariolatria, por Oswlado Ribeiro.



 Artigo postado no blog  Peroratio, do Prof. Dr. Oswaldo Luis Ribeiro, que de forma genial, esclarece 

1. Uma aluna de Teologia, de uma turma querida, pede-me uma "resposta" - sim, foi uma encomenda, que engraçado! - a uma imagem do facebook, condenando as imagens de Maria, pelo fato de não estarem na Bíblia e, pior, de textos bíblicos proibirem imagens.


2. Não é uma tarefa nem fácil nem rápida, mas tentarei, em poucos parágrafos, fazer um quadro geral da presença de Maria e de imagens, e também imagens de Maria, no Cristianismo.


3. Bem, antes é preciso saber que os israelitas e os judeus tinham imagens. Durante toda a sua história, até o século V a.C. tinham imagens - e não de santos, mas de deuses, porque eram politeístas. Há uma corrente acadêmica que ainda postula a hipótese de um braço pré-monoteísta, profético, desde o século IX a.C. (não apostaria nisso), mas, seja como for, na prática, Israel e Judá eram politeístas icônicos - além de adorarem vários deuses, adoravam-nos por meio de imagens.


4. Na virada do século VI para o V, depois que os sacerdotes que retornaram da Babilônia assumiram o poder, tudo mudou. E mudou tanto, que quase nada da religião judaica depois disso foi da mesma forma que fora antes. Antes, os judeus eram politeístas; depois, monolátricos (henoteístas); antes, adoravam imagens; depois, não; antes, tinham vários altares e templos; depois, só um (em Judá - no Egito, havia outro); antes, tinham profetas; depois, não; antes, tinham profetisas e sacerdotisas, depois, não; antes, Deus fazia bem e mal; depois, só bem. Mudou tudo.


5. Escreveu-se nesse período o Pentateuco. Todas as Leis, na prática, datam dessa época - século V em diante. Há coisas antigas, mas as antigas são justamente aquelas que conspiram contra essa pretensa vida monoteísta e anicônica: Nm 21, por exemplo, diz que Yahweh manda Moisés fazer uma imagem de serpente, e que o povo olhasse para ela, para se curar... Essa imagem ficou por anos no Templo, e os judeus ofereciam incenso a ela. Minha dissertação de mestrado foi sobre Nehushtan, a serpente de bronze - e eu já devia ter publicado.


6. Bem, até o Novo Testamento, nada mudou significativamente. E acontece Jesus. Surge, de dentro do judaísmo, e com suas características, a Igreja. Se ela tivesse permanecido judaica, nada teria mudado. Mas ela abriu as portas para os gregos, depois, para todos. Começa uma longa fase de negociações.


7. A Igreja de Coríntio, por exemplo - como era uma igreja situada em cidade portuária, gente de todos os lugares transitavam por ali. Foi justamente ali que uma prática não-judaica ingressou na Igreja - a glossolalia, a "fala em língua estranha". Foi um fenômeno não-israelita que a Igreja adotou. Paulo tolerou o fenômeno e tentou dar um tratamento organizado a ele - que houvesse intérprete.


8. A Igreja desenvolveu-se, assim, negociando. O Natal, por exemplo, em 25 de Dezembro, é a aplicação à data da Festa ao Deus Sol. Quando a Igreja se tornou imperial - de Roma, o Império - a festa do nascimento de Jesus passou a ser comemorada no dia da Festa ao Sol Invictus - Jesus não nasceu em 25 de dezembro - isso é apenas "sincretismo" formal.


9. Cada vez mais as pessoas ingressavam na igreja, e o uso de imagens passou a fazer parte das tradições, porque todos os povos que ingressavam no Cristianismo usavam culto de imagens - todas. Inclusive, quando Mohamed (Maomé) fará a sua revolução religiosa, todo seu povo - todo - usava imagens ainda. Era absolutamente normal e comum.


10. O que a igreja fez foi dar ao uso delas um tratamento diferenciado: não era "adoração", mas veneração - os santos que eles representavam, sempre relacionados a supostos cristãos mortos, não eram adorados, mas venerados. Depois da Reforma, a Contra-Reforma católica ratificou a veneração das imagens, contra Lutero, e isso então se pratica desde os primeiros séculos do Cristianismo.


11. No caso de Maria, a Igreja cristã operou de forma semelhante. Toda a bacia do Mediterrâneo - toda - era marcada pelo culto às deusas. No norte da África, Ísis; na Europa e na Ásia Menor, Minerva/Diana no Oriente Próximo, Ishtar. O Cristianismo não tinha deusas. A pressão era enorme.


12. Pois bem, em Nicéia e nos dois Concílios posteriores, Jesus, que nascera de Maria, foi considerado Deus. Ora, o raciocínio que se fez, sob a pressão gigantesca das populações, que apelavam para uma deusa, era: se Maria pariu Jesus como homem, então ela é humana, mas, se Jesus era Deus, então Maria pariu um Deus, pariu Deus, logo, ela é Mãe de Deus.


13. Não foi de um dia para o outro, mas em 431, no Concílio de Éfeso, Maria foi declarada pela Igreja como Theotokos, Mãe de Deus.


14. Preste-se atenção num detalhe: não foi a Igreja católica. A Igreja católica só passou a existir no século XVI, como reação a Lutero. Até o século XVI, só se pode falar da Igreja cristã. No século XVI, Lutero inventa moda de fazer a Reforma e separa-se da Igreja, alegando ser ele representante legítimo da "verdade" do NT. A Igreja, todavia, diante da insistência dos reformadores, convoca o Concílio de Trento e ratifica suas posições históricas. E esse braço histórico do Cristianismo se ratifica como Igreja Católica Apostólica Romana.


15. Assim, a Igreja cristã usa imagens e venera Maria há 1.600 anos. Há 500, uma parcela, os protestantes e seus herdeiros, os evangélicos, deixou de usar imagens e de venerar Maria.


16. Eu entendo que crentes "zelosos" se sintam pressionados à aplicação direta de textos antigos, do AT. De fato, a Lei, a Torá, diz que não se pode usar imagens. Também manda matar o filho desobediente. Eu entenderia alguém que, se dizendo fiel observador da Lei, se recusasse a usar imagens ou considerasse que quem as usa esteja errado, mas essa pessoa deveria cumprir, então, toda a Lei - inclusive a de matar o filho desobediente.


17. A prática de usar a Bíblia como "prova" de coisas certas ou erradas é constrangedora, porque a mesma pessoa que usa a Bíblia contra os outros, não a usa contra si. Assim, trata-se apenas de compreender a História da Igreja. Se você é católico e gosta da veneração dos santos e do uso das imagens, fique com sua consciência tranquila. Se você é evangélico e concorda com Lutero, que se não deve usá-las, não as use, e fique com sua consciência tranquila. Mas deixe de lado essa mania de usar a Bíblia contra os outros... Porque a mesma Bíblia que você usa contra os outros, se volta contra você com a força da acusação de uma série de ordens que ela contém e que, com razão, você não cumpre. Mas, se você se dá o direito de não cumprir tudo o que a Bíblia diz, por que acha que tem o direito de exigir de outros cumprirem o que você acha correto?


18. O homem não foi feito para a Bíblia.


19. É a Bíblia que foi feita para o homem.


20. Ame as pessoas e terá cumprido a Lei.


21. O resto é pecado - até em nome de Deus.



Os Intelectuais - Paul Johnson (Parte 1: Rousseau)

A ideia central do livro é analisar a vida dos principais intelectuais que influenciaram a vida das pessoas comuns em seu tempo, tal qual os antigos escribas e sacerdotes das épocas antigas. Assim como acontecia na antiguidade, em que a autoridade de alguns iluminados ou credenciados pela ideologia dominante regiam a vida de homens e mulheres, o autor busca, na chamada era moderna e contemporânea  aqueles filósofos que tiveram maior penetração e influência, e funcionaram como formadores de opinião em seu tempo. O objetivo do autor é questionar quais as credenciais morais de tais autores para dar conselhos à humanidade.
Para cumprir seu objetivo ele analisa a vida de Roussseau, Shelley, Marx, Ibsen, Tolstoi, Brecht, Russell, Sartre e outros. Mostra, em seu relato, o lado mais humano de cada um deles, seus defeitos, suas limitações e até seu comportamentos mais desprezíveis e contraditórios em relação ao que pregavam.
Desse modo, Jean-Jacques Rousseau, que "alterou alguns dos pressupostos básicos do homem civilizado e mudou a configuração da estrutura do pensamento humano", nos campos da educação, da literatura e da psicologia, entre outros, nos aparece aqui como egocêntrico  paranoico, mentiroso,e completamente ingrato com todos os que os ajudaram. Para o autor, Rousseau era mentalmente doente, o que, segundo ele, pode ser comprovado em suas últimas obras: Diálogos comigo mesmo (1772) e os Devaneios de um caminhante solidário (1776).
Rousseau também lançou moda: "meu estilo descuidado habitual, com uma barba irregular", era sua forma (estudada) de se rebelar contra as normas sociais. Logo, usar trajes que pareciam extravagantes aos seus contemporâneos, sem relógio, espada, galões e roupas largas, seriam uma forma de chamar a atenção não só para sua pessoa, mas também para sua obra. Mais tarde foi imitado por outros jovens intelectuais, que viam nessa simplicidade uma forma de protestar e também ser diferente dos comuns mortais.
Ele teve inúmeras amantes. Foi sustentado por algumas, foi um tirano com outras, mas, como em todas as suas relações, tirou o máximo proveito delas: sua amantes duravam o tempo exato de sua utilidade para ele e sua causa. A única mulher que disse ter amado foi a Condessa d'Houdetot, cunhada de sua amante e benfeitora, a Mme d'Epinay.
Seu caso mais demorado foi com a lavadeira Therese Levasseur, com quem viveu 33 anos e teve 5 filhos, que foram dados para adoção, deixados numa trouxa na porta do "Hospital das Crianças Encontradas", onde só 14 em cada 100 crianças sobrevivia. A hipocrisia de Rousseau chegou ao clímax, quando ele justificou o abandono dos filhos afirmando que: "Sei muito bem que nenhum pai é mais afetuoso do que eu teria sido", mas "tremia diante da ideia de deixar meus filhos aos cuidados daquela família grosseira (referindo-se especificamente à mãe de sua esposa).
Johnson conclui o capítulo sobre Rousseau lembrando que os intelectuais podem ser "tão insensatos, ilógicos e supersticiosos quanto qualquer pessoa". E finaliza com a apreciação daquela que foi o único amor do pensador francês, a Condessa d'Houdetot: "Era um louco interessante".