quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Maria Bethânia recita Eros e Psique de Fernando Pessoa

ROBERT FROST

Robert Lee Frost (São Francisco, Califórnia, 26 de março de 1874Boston, 29 de janeiro de 1963) foi um dos mais importantes poetas dos Estados Unidos do século XX. Frost recebeu quatro prêmios Pulitzer.

    " A melhor saída é seguir em frente".  

    " amor é o desejo irresistível de ser irresistivelmente desejado".
      "Algo que estávamos retendo nos fazia fracos
    até verificarmos que éramos nós mesmos".

    "Posso resumir em três palavras o que aprendi sobre a vida: a vida continua".



     
     

    quarta-feira, 18 de novembro de 2015

    CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

    O SEU SANTO NOME

    Não facilite com a palavra amor.
    Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
    Não se inebrie com o seu engalanado som.
    Não a empregue sem razão acima de toda razão (e é raro).
    Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
    de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
    que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
    Não a pronuncie.

    CHARLES BAUDELAIRE

    À une passante (original)
    La rue assourdissante autour de moi hurlait.
    Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse ,
    Une femme passa, d’ une main fastueuse
    Soulevant, balançant le feston et l’ourlet;
    Agile et noble, avec sa jambe de stautue.
    Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
    Dans son oeil, ciel livide où germe l’ouragan,
    La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.
    Un éclair…puis la nuit! – Fugitive beauté
    Dont le regard m’a fait soudainement renaître,
    Ne te verrai-je plus que dans l’eternité?
    Ailleurs, bien loin d’ici! trop tard! “jamais” peut-être!
    Car j’ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
    Ô toi que j’eusse aimée, ô toi qui le savais!
    (Charles Baudelaire)

    Tradução de Ivan Junqueira
    A uma passante

    A rua em torno era um frenético alarido.
    Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
    Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
    Erguendo e sacudindo a barra do vestido.
    Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
    Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
    No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
    A doçura que envolve e o prazer que assassina.
    Que luz… e a noite após! – Efêmera beldade
    Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
    Não mais hei de te ver senão na eternidade?
    Longe daqui! tarde demais! “nunca” talvez!
    Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
    Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!
    (Charles Baudelaire. As Flores do mal. Edição bilíngüe. Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985: p. 361.)

    Tradução de Guilherme de Almeida
    A uma passante

    A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
    Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
    Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
    Erguendo e balançando a barra alva da saia;

    Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
    Eu bebia, como um basbaque extravagante,
    No tempestuoso céu do seu olhar distante,
    A doçura que encanta e o prazer que assassina.

    Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
    De um olhar que me fez nascer segunda vez,
    Não mais te hei de rever senão na eternidade?
    Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
    Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
    Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste! 

    domingo, 30 de agosto de 2015

    QUINTUS HORATIUS FLACCUS

    Ode nº 11 do livro 1 das Odes, do poeta romano Horácio (65 a 8 A.C), chamada de Ode a Leucónoe, porém, mais conhecida – entre nós – pelo seu verso final “Carpe Diem”, uma máxima da filosofia epicurista tão em voga no seu tempo. Comecemos com a versão de David Mourão-Ferreira:

    ODE A LEUCÓNOE

    Não procures, Leucónoe — ímpio será sabê-lo —,
    que fim a nós os dois os deuses destinaram;
    não consultes sequer os números babilônicos:
    melhor é aceitar! E venha o que vier!
    Quer Júpiter te dê inda muitos Invernos,
    quer seja o derradeiro este que ora desfaz
    nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno,
    vive com sensatez destilando o teu vinho
    e, como a vida é breve, encurta a longa esp’rança.
    De inveja o tempo voa enquanto nós falamos:
    trata pois de colher o dia, o dia de hoje,
    que nunca o de amanhã merece confiança.


    Agora a recente tradução de Pedro Braga Falcão:

    ODE A LEUCÓNOE

    Tu não perguntes ( é-nos proibido pelos deuses saber) que fim a mim, a ti,
    os deuses deram, Leucónoe, nem ensaies cálculos babilónicos.
    Como é melhor suportar o que quer que o futuro reserve,
    quer Júpiter muitos invernos nos tenha concedido, quer um último,
    este que agora o Tirreno mar quebranta ante os rochedos que se lhe opõem.
    Sê sensata, decanta o vinho, e faz de uma longa esperança
    um breve momento. Enquanto falamos, já invejoso terá fugido o tempo:
    colhe cada dia, confiando o menos possível no amanhã.


    sábado, 29 de agosto de 2015

    Café Filosófico - Nossos medos e os fantasmas da perfeição



    Montagem com as participações de Leandro Karnal, Luiz Pondé, Giacóia Jr. entre outros, em que se discute o medo de morrer, as utopias, as fantasias de perfeição e felicidade etc.

    terça-feira, 14 de julho de 2015

    Roberto Freire

    Reproduziremos abaixo um texto do psicoterapeuta reichiano, escritor e militante anarquista Roberto Freire (1927-2008), figura polemica nos meios "psi" nas décadas de 1980-1990.
    Para quem não o conhece, Freire foi um psiquiatra paulista e um dos pioneiros, junto com José Ângelo Gaiarsa a divulgar a técnica reichiana em nosso país; tendo criado em seguida seu próprio sistema de abordagem denominado "Somaterapia", em que funde as ideias de Reich com a filosofia anarquista.
    Escreveu romances e livros técnicos (Cléo e Daniel; Utopia e Paixão; Sem tesão não há solução; Ame e dê vexame; Viva eu, viva tu, viva o rabo da tatu, entre outros. Também escreveu para a televisão (A grande família e TV mulher).

    Texto 1: Caçada nos esgotos do DOPS
    Maio de 1964. Cela do DOPS, em São Paulo. Dez presos políticos num espaço de quatro por quatro metros: líderes sindicais e estudantis, um poeta, um físico nuclear, um policial disfarçado de bancário e eu. Porta com cadeado por fora, janela gradeada no alto da parede, pia e privada a um canto da cela. Quando a campainha tipo cigarra soava, vinha o medo. Alguém seria levado para interrogatório, geralmente com espancamento e tortura. Ouvíamos os gritos. Depois o companheiro de cela voltava ferido e em pânico. Chegou a minha vez. Queriam que traísse meu amor à liberdade e o amor aos meus amigos. Fiquei calado, bateram-me muito, mas em vão. Ainda sofrendo e sangrando bastante,escrevi isto na margem de um jornal velho, no qual anotava vários pensamentos para um livro que pretendia escrever quando saísse da prisão:
    é o amor, não a vida, o contrário da morte.
    No dia seguinte, decepcionado, descobri que a folha de jornal em que fazia minhas anotações tinha sido usada como papel de privada. Dois anos depois, aquela frase escrita no papel de jornal foi incluída no romance Cléo e Daniel. Nesse livro pretendi ter purgado a violência da repressão e ter podido me vingar da ditadura militar, provando, pelo menos poeticamente, ser o amor impossível na sociedade burguesa.
    Quase no final da fase já de composição do livro, recordei-me por inteiro de um outro texto que também tinha desaparecido nos esgotos do DOPS. Mas, como pude constatar, não deixou nunca meu coração. É uma fala desesperada, do personagem Benjamin, falando comigo e por mim, pouco antes de sua morte:
    — O amor sendo traído, mentido, negado, iludido, falsificado, destruído! Porque não são as pessoas que existem, mas a esperança de amor que há nelas. Não há nomes, não há olhares, não há gestos, não há palavras. Apenas o seu conteúdo, em promessas, intuições de amor. Não há projetos de vida, não há realizações, não há conquistas, somente essa busca cega e desesperada de salvar o frágil e único legado de Deus! A ilusão de amar. Porque a vida humana é essa imensa e grotesca caçada: cada homem tentando alcançar o germe do amor que há no outro para aprisioná-lo, para feri-lo, matá-lo. Por isso fazem-se amigos, parceiros, parentes, amantes, sócios. Porque é preciso estar mais próximo, mais ao alcance do ódio, mais perto da ilusão de amor do outro. Para a ceva, para o bote, para o crime. A humanidade é o resultado dessa caçada. Os homens estão vivos, mas o seu amor está morto. Assassinado. Um matou a possibilidade do amor no outro. A lei é essa mesma: amor por amor, para que não haja amor.
    Texto 2: Para quem ainda vier a me amar
    Quero dizer que te amo só de amor. Sem idéias, palavras,pensamentos.Quero fazer que te amo só de amor. Com sentimentos, sentidos, emoções. Quero curtir que te amo só de amor. Olho no olho, cara a cara, corpo a corpo. Quero querer que te amo só de amor.
    São sombras as palavras no papel. Claro-escuros projetados pelo amor, dos delírios e dos mistérios do prazer. Apenas sombras as palavras no papel.
    Ser-não-ser refratados pelo amor no sexo e nos sonhos dos amantes. Fátuas sombras as palavras no papel.
    Meu amor te escrevo feito um poema de carne, sangue, nervos e sêmen. São versos que pulsam, gemem e fecundam. Meu poema se encanta feito o amor dos bichos livres às urgências dos cios e que jogam, brincam, cantam e dançam fazendo o amor como faço o poema.
    Quero da vida as claras superfícies onde terminam e começam meus amores. Eu te sinto na pele, não no coração. Quero do amor as tenras superfícies onde a vida é lírica porque telúrica, onde sou épico porque ébrio e lúbrico. Quero genitais todas as nossas superfícies.
    Não há limites para o prazer, meu grande amor, mas virá sempre antes, não depois da excitação. Meu grande amor, o infinito é um recomeço. Não há limites para se viver um grande amor. Mas só te amo porque me dás o gozo e não gozo mais porque eu te amo. Não há limites para o fim de um grande amor.
    Nossa nudez, juntos, não se completa nunca, mesmo quando se tornam quentes e congestionadas, úmidas e latejantes todas as mucosas. A nudez a dois não acontece nunca, porque nos vestimos um com o corpo do outro, para inventar deuses na solidão do nós. Por isso a nudez, no amor, não satisfaz nunca.
    Porque eu te amo, tu não precisas de mim. Porque tu me amas, eu não preciso de ti. No amor, jamais nos deixamos completar. Somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários.
    O amor é tanto, não quanto. Amar é enquanto, portanto. Ponto
    In: (https://cacspucsp.wordpress.com/2012/08/19/textos-do-pirata-anarquista-roberto-freire-participacao-no-programa-provocacoes/)
    [Os textos foram retirados do livro Ame e dê vexame . Download em:http://pt.scribd.com/doc/68476435/Roberto-Freire-Ame-e-De-Vexame-doc-rev ].

    sábado, 11 de julho de 2015

    ALDUISIO MOREIRA DE SOUSA - 3

                    PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES
                                        (O FLORESCIMENTO DE UM ATO)
                                                                                                Alduisio Moreira de Souza

                            “Deleuze reabilita a distinção estóica de Aion e Cronos para pensar a extratemporalidade do acontecimento e sua temporalidade paradoxal. Segundo Aion, apenas o passado e o futuro insistem ou subsistem no tempo. Em lugar de um presente que reabsorve o passado e o futuro, postulam um futuro e um passado que dividem a cada instante o presente, que o subdividem ao infinito em passado e futuro, em ambos os sentidos e ao mesmo tempo. François Zourabichvili”.
     


                Lacan era um pensador, um psicanalista, um teórico invulgar e produtor de uma obra, chamada de ensino, sem igual em nossa contemporaneidade. Nunca me ocorreu pensar que fosse um santo – possivelmente um sainthomeum xamã, ou um mágico encantador. Seu ensino me faz trabalhar, me orienta em direção a referências inusitadas e surpreendentes, e me permite – pela exigência que sua leitura comandadespertar meu pensamento e estar sempre questionando minha prática como psicanalista, que reclamo ter me formado como analista em sua Escola.
    Escrever um texto sobre seu ensino creio ser de bom tom trazer um arrazoado de autores e conceitos que o balizaram mesmo sendo obscuras, pouco referenciadas ou até mesmo denegadas: Heráclito, os Estóicos, Leibniz, Espinosa e Deleuze encontram – dentre outrosum lugar privilegiado. Estas referências são parte da interioridade do ensino, útileu espero – para aqueles que lêem ou escutam para saberem de que Lacan eu falo, que um pensador com esta estatura, e um ensino com esta amplitude é múltiplo como pólo referencial.  Senão vejamos algumas interrogações: 1) Como falar em contradição, opostos, dialética, contrários, conjunção-disjunção, do Um, sem a referência a Heráclito (e Parmênides)? 2) Como falar do tempo sem a referência aos Estóicos e sua teoria dos Incorpóreos? 3) Como falar em Acontecimento e sua efetivação sem a referência dos compossíveis e incompossíveis de Leibniz? 4) Como falar de gozo, de desejo sem falar de corpo, tensão, misturas, Conatus sem a referência a Espinosa? 5) Ou de lingüística sem a referência a Saussure e Jakobson, de Semiologia do Sentido sem a referência a Deleuze? – Seria como falar de lógica simbólica sem falar de Frege. Ou seja, completamente impróprio.
    A prática de Lacan, tanto teórica quanto clínica foi objeto de controvérsia, de críticas as mais radicais tanto positivas quanto negativas, o que ele fazia questão de desconhecer e jamais fez de seu procedimento no curso de uma análise objeto de seu ensino, e era alérgico ao que chamava de “carta forçada da clínica”.  Creio mesmo, que o fato de lacanianos falarem tanto de “casos clínicos”, não deixa de ser indicativo daquilo que no ensino faltou ao seu lugar, se fez buraco: ensina-me a fazer, era como um pedido sempre renovado de forma supersticiosa a um Lacan mítico que tudo faz e tudo sabe à maneira de Rabelais, tal como os pantagruélicos Panurge (tudo faz) e Epistemão (tudo sabe), e ele impávido colosso mantinha seu silêncio.
    Vejamos o que nos diz Crisipo (277 – 332 AC) a mais de 2300 anos:

    Ele sustenta que somente o presente existe; o passado e o futuro subsistem, mas não existem de modo algum, segundo ele; da mesma forma, somente os atributos que são acidentes [atuais] são ditos existentes; por exemplo, o passeio [caminhada] existe para mim quando estou passeando [caminhando]; mas, quando estou deitado ou sentado ele não existe”. Crisipo referindo-se a Ário Dídimo. Citado por Victor Goldschmidt e Diógenes Laêrtius.

                Percebamos que a existência nessa citação está assegurada pela consecução de um ato, ou seja, um fazer que é sempre presente: o passear ou caminhar. Sabemos que no sentido do tempo, o passado e o futuro são infinitos, e o presente é finito. Ou seja, somente o presente é susceptível de consideração e mesmo de cálculo.  Na história do pensamento filosófico o Estoicismo além de ter sido a primeira sistematização de uma doutrina subverteu tanto sua forma quanto seu conteúdo ao estender a lógica que deixou então de ser uma simples técnica – Organon – e passa a fazer parte do logos filosófico juntamente com a Física e a Ética. Surpreendentemente o estoicismo tem sido na maioria das vezes reduzido a sua posterior referência ética dando lugar a um discurso moral ligado ao sacrifício, ao desinteresse e mesmo ao masoquismo ou ao cultivo da virtude, da passividade e da modéstia. A partir de então o estoicismo veio a ser associado à religião, e a serenidade, que foi o fundamento mesmo da ética estóica terminou por ser traduzida modernamente como felicidade. Vejamos o acontecido por uma citação de Frederique Ildefonse de aforismo de Epicteto:

                Um estóico quer dizer um homem que, na doença se acha feliz, que moribundo, se acha feliz, que desprezado e caluniado, se acha feliz”.

                Percebamos a diferença de sentido quando lemos, através de outra tradução – de Luc Ferry, por exemploserenidade no lugar de felicidade? Serenidade porque? Porque o elemento da doença, da morte, da calúnia ou desprezo é tomado como presente, é o que é no seu estado presente, sem, no entanto, que o afetado, nele se dissolva por queixas ou ressentimentos. É o que é, ou, é sendo que somostal como o Conatus espinozano. Com-preendê-lo não implicando então mais que uma atitude ética filosófica diferente do “dar a outra face” do cristianismo. Veremos que é o contrário, pois como escolha filosófica nada mais ativa e questionadora que o estoicismo foi e é em sua existência. Além de ser a primeira sistematização do estudo da linguagem, a construção de uma semiologia nova e durável faz do estoicismo um pensamento novo, ainda hoje revolucionário que permanece contemporâneo, fazendo parte dos estudos atuais da lingüística e da semiologia.
                Os estóicos e particularmente Crisipo e Zenão, criaram e deram fundamento a Teoria dos Incorpóreos permitindo pela primeira vez que os pensadores pudessem pensar o simbólico sem que este estivesse hipotecado a uma teoria sobrenatural, supersticiosa ou mítica.
     Quanto aos incorpóreos nós os encontraremos como pontos de sustentação conceituais de doutrinas variadas e mesmo psicanalíticas em particular no ensino de Jacques Lacan. Este se fartava e era pródigo nas referências e citações: o tempo, o lugar, o vazio e o exprimível (lekton). A Escola de Lacan tinha por inspiração o Stoa grego de onde se origina Estoicismo (ou Stoicismo), o Pórtico de Zenão, que ele chamará de refúgio e que será, suponho, a base de sua enunciação sobre a origem de seu conceito institucional desde o Ato de Fundação em 1964, no Ensino na Proposição de 1967 e por fim na Dissolução.

    “A realidade lógica, o elemento primordial da lógica aristotélica é o conceito. Este elemento para os Estóicos é completamente outra coisa, não é nem a representação (φαντασία) que é a modificação da alma corpórea por um corpo exterior, nem a noção (ένοια) que se formou na alma sob a ação de experiências semelhantes. É algo totalmente novo que os Estóicos chamam de exprimível (λεχτον)”. Émile Bréhier – A teoria dos incorporais no antigo estoicismo.

                Quando pensamos o tempo como um incorpóreo expresso por um verbo em seu infinitivo como um lekton, um exprimível em tensão, mas com a condição de ser puro intervalo, podemos supor com Crisipo que se trata de um intervalo e um limitedo começo do futuro e o fim do passado”, para um sentido à maneira da Bedeutung e seu tempo é o da consumação de um AtoAto que faz do exprimível uma possível expressão de um verbo, mesmo sendo de um substantivo averbado (verdejar, arvorecer), ou simplesmente acentuar seu ritmo, sua escansão tornando efetivo seu movimento, sendo análogo ao que Lacan chamou de ponto de basta. Este ponto de basta então acolherá ou fabricará um sentido podendo construir uma diferença que exige do sujeito um assentimento que se encaixa em seu dizer fantasmático. Aqui ao dizerum dizer” atentemos para a distinção fundamental entre dizer e dito e entre enunciado e enunciação. O lekton estóico é correlato tanto do dizer quanto da enunciação.

        “O lekton [expremível] é o correlato do termo legein [enunciação]: quando eu enuncio (lego), enuncio um lekton. O lekton tem relação com um acusativo de objeto interno: lego lekton. Pensemos no cogito cogitatum leibniziano: eu penso um [objeto] pensamento. Da mesma forma que, por correlação, eu sinto um sensível na minha atividade de sentir, eu “intelijo” um inteligível na minha atividade de intelecção, eu represento um representável em minha atividade de representação, da mesma forma que enuncio um enunciável em minha atividade de enunciação”. Frederique Ildefonse – Os Estóicos – Estação Liberdade.

     Para que fique claro basta pensarmos numa questão muito simples: trabalhamos com conceitos – lembremo-nos de Fregeentão conceituemos o que é um conceito? Ou seja, façamos de nosso objeto de estudo um elemento interno do nosso próprio proceder temático e veremos que o transformamos em um acontecimento tal qual pensavam os Estóicos e em particular Crisipo com sua definição a partir do próprio. Temos também o procedimento tão comum no qual o contador se conta entre os contados, ou seja, uma estrutura que é um simples esboço paradoxal onde interior e exterior se sobrepõe numa simultaneidade tal com a linha imagináriaaiônica”.
                Com efeito, por sua vez Claude Imbert cita Émile Benveniste, que requer conceitos que cumpram uma ação dentro do objeto, e o vocabulário escolhido por Crisipo faz dele próprio argumento. Não basta, diz ele, postular o objeto do conhecimento, é preciso indicar seu papel dentro do próprio movimento do conhecer e definir a tensão do ato constitutivo da representação atribuindo seu papel, e claro, esclarecer as condições de sua enunciação. Esta é a função do lekton que porta e é portada por um acontecimento interior ao dizer, que o torna uma tensão que eclodirá quando for expressa, mas que conserva sua característica de, ao ser enunciada num presente discursivo que trás implícito um tempo que passa comodo começo do futuro e o fim do passado”. Esta é a dimensão do ATO, do instante presente de sua quase sem-espessura, quase-causa, pura dobra ou relevo quase imperceptível.
     Mas, no ensino de Lacan sua elaboração teórica não é assim? A própria prática refletida, elaborada da psicanálise no sentido lacaniano não é também assim?
    Falar em sessões curtas, médias, longas e mesmo variáveis sem se referir ao Ato, seria uma questão da prática de Lacan? – Parece-me que não, pois sendo uma prática corriqueira tão evidente seria mais lógico nos perguntarmos qual o conceito de tempo tomarmos. Haveria uma preocupação com a extensão, com a duração? – Não, os cuidados eram focados na pontuação, no ritmo e na escansão. Qual o conceito de tempo poderíamos supor que estivesse na base do fazer de Lacan? Temos pistas para pensar? – Sim, temos o conceito de Ato que dentro as teorias disponíveis sobre o tempo salta aos olhos, e mesmo aos ouvidos que as pontuações de Lacan teria uma razão mesmo que às vezes não parecesse nada razoável: propiciar a produção de um Ato, no caso, de um Ato Analítico. Ato que se faz Acontecimento num tempo flutuante do instante presente, é como dizia ele: é sendo que somos [en étant que’on est]. O gerúndio em sua forma nominalsendo ou estando –, cria um presente em movimento e que foi forcluido na tradução portuguesa [brasileira]. O ente, como tradução do étant não é um tempo verbal de uma declinação, mas um substantivo forjado implicando uma extensão.
             “ fui assim para me transformar no que posso ser” [...]. “Mas, na unidade interna dessa temporalização, o ente marca a convergência dos tendo sido. Ou seja, supondo-se outros encontros desde qualquer um desses momentos tendo sido, deles teria saído um outro ente que faria o sujeito ter sido totalmente diverso”. J.Lacan, Escritos, p. 257.
       “ fui assim para me transformar no que posso ser” [...]. “Mas, na unidade interna dessa temporalização, o sendo marca a convergência dos tendo sido. Ou seja, supondo-se outros encontros desde qualquer um desses momentos tendo sido, deles teria saído um outro sendo que faria o sujeito ter sido totalmente diverso”. J.Lacan, Escritos, p. 257.

    Vamos tentar ler em francês o que disse [escreveu] Lacan:

            “Je n’ai été ceci que pour devenir ce que je puis être [...]. “Mais dans l’unité interne de cette temporalisation, l’étant marque la convergence des ayant été. C’est-à-dire que d’autres rencontres étant supposées depuis l’un quelconque des ces moments ayant été, il en serai issu un autre étant qui le ferait avoir été tout autrement”. Écrtis, p. 255

                Será que a tradução do gerúndio do verbo ser, em sua forma nominal, sendo, estando, seria rigorosamente traduzível por ente? Ou seja, o étant como tempo verbal, o fluir em movimento [sendo que se é] vestiria a armadura do substantivo averbado do ser, do absolutamente existente e extensivo? – Creio que não! Mas...
     


                Dentro do ensino de Lacan qual seria a teoria do tempo que leva em consideração o ATO em seu instante presente? – Podemos responder de imediato: a teoria Estóica, não simplesmente leva em consideração, mas muito mais que isto que o tempo estóico é ATO. E um ato lógico, pois a lógica, – termo criado pelos estóicos –, e o tempo para Lacan é um contínuo fluir sendo ato, escrito num determinado tempo variável e circunstanciado pela relação transferencial ou quando em situação clínica, que visaria a direção de uma cura, ou de uma psicanálise à maneira própria que era a sua de propiciar e mesmo provocar a realização de um ato.

    Assim, é uma pontuação oportuna quesentido ao discurso do sujeito. É por isso que a suspensão da sessão, que a técnica atual transforma numa pausa puramente cronométrica, e como tal, indiferente à trama do discurso desempenha o papel de uma escansão que tem todo o valor de uma intervenção, precipitando os momentos conclusivos”. J. Lacan, Escritos, p. 253.

                Leiamos atentamente: suspensão, pausa, precipitação, trama do discurso etc. O que está em jogo não é o exprimível, o lekton tal como evocamos como correlato do dizer e da enunciação? Faltou acrescentar que pode também ritmar, não permitindo a conclusão indevida na trama discursiva. Uma verdade, mesmo bem fundamentada tem hora, vez e lugar.
               “A realidade única do presente, ensinado na teoria física do tempo, é então afirmada igualmente para a vida humana e, em matéria de moral, traduz-se diretamente por preceitos tais que: “Fazer uso do presente satisfazendo-se da condição presente e se regozijando  por tudo o que acontece presentemente”, preceitos que contam como tais o sumário da ars vitae””. [...] “Sabemos que na semiologia estóica, “o signo presente é signo de uma coisa presente”, nem passada nem por vir. A cicatriz é signo não de que alguém tenha sido ferido, masque ele é [no seu estado presente] tendo sido ferido”; a ferida no coração não é signo de que ele deverá morrer, mas que ele “é [em seu estado presente] devendo morrer”, de forma que o signo presente, sacado pela sensação, permite de apreender o significado, oculto e invisível, no modo presente”. Victor Goldschmidt – O sistema estóico e a idéia de tempo.

                Foi Crisipo que no seu ensino da dialética estóica criou dois lugares distintos que deram origem a uma teoria da linguagem que quase se torna autônoma ao sistema estóico. Foi a primeira semiologia dentro do rigor que o termo exige. O ponto de partida foi a teoria dos incorpóreos e particularmente dos lektons. Ele fala no tempo, no lugar, no vazio e no lekton para distinguir dois lugares tópicos: o lugar dos significantes e o lugar dos significados. O exemplo tomado de Sexto Empírico, de conteúdo situacional da representação é o seguinte:
    “ [...] se digo, Dion é importante distinguir entre sèmainon [σημαινον], significante (a matéria fônica Dion, independente de sua significação), sèmainomenon [σημαινόμενον], significado, e tynkhanon [τγχάνον], digamos referente”.

                Podemos perceber a antecipação de mais de 2300 anos do triângulo semiótico no que há de mais moderno na abordagem da linguagem, na semiologia que se encontra com Saussure e vai até Pearce, Derrida, Benveniste, Eco e mesmo Frege etc. Mas, o que temos de novo e original é o Acontecimento, então sinônimo de Sentido. Lacan não se furtou de dizer que o próprio Freud era um acontecimento. Ele objetivou num elogio fulgurante. Ele que é a própria obra, que postulamos fazer com que o nosso objeto se torne objeto de nosso procedimento, seria como se, Freud passasse ao interior de sua obra, se tornasse adjetivo e terminasse por ser ele mesmo um averbado sutil, flutuante, indefinido, mas ativo. Assim foi e é com o próprio Lacan, e podemos mesmo brincar de que Lacan criou por si a extensão do Acontecimento Freud.
                O Acontecimento é um tempo fora tempo. Umentre-tempo”. É o tempo que ex-siste ao tempo. O Aion que está fora é um tempo infinito, mas que orienta, simples modo, pois ele é o que pode nos dar o Instante em sua eternidade de sem começo nem fim. É o que acontece sendo sacado dentro de seu próprio acontecer. É sendo que se é diz Lacan. Uma espécie de performativo que busca apreender o próprio daquilo que se vive no momento de sua própria efetuação. Aquele instante no qual luz um significante puro e quando tentamos dar conta, apreendê-lo somente apreendemos a nossa própria expectativa, o tempo de um triz, um esboço de ato, pois se dissipou por escansão própria, originária, quase mítica, pois é o fim do passado e o início do futuro, num batimento ao qual ao tentar sacar estamos tomados no próprio acontecer. Espera que é infinita no seu instante absoluto de presente, num se mover que faz com que "espera infinita que no seu acontecer é infinitamente passada, espera e reserva". Ou seja, a pontuação de um paradoxo. É análogo ao tempo do conceito e este sendo lido como o tempo da coisa.
    É como a epifania em seu Instante factual, no seu próprio acontecer. O depois é pura banalidade, e mesmo pura ausência de sentido, mas quando surgiu foi por ter sido excesso de sentido que será então consumido em sua própria consumação.
                Se considerarmos o tempo como nosso objeto de especulação estamos dentro da relação Aion/Cronos. Isto é um tempo infinito que não se objetiva e é simultâneo em sua subsistência sutil e incorporal, [aion] E outro, um tempo finito, espesso, presente, que se articula pela simples tensão interna de corpos e que é sucessivo, tempo que é extensão [cronos]. Lembremos aqui o Aleph de Borges no seu acontecer simultâneo absoluto que se faz sucessivo na narrativa, pois assim é a linguagem falada ou escrita.

             “[...] O que meus olhos viram foi simultâneo: o que irei transcrever, sucessivo, pois é assim a linguagem”. J.L. Borges – O Aleph.

     Esse Aleph cristalino é o órgão de conversão da simultaneidade de todos os pontos do espaço em uma simultaneidade temporal” [...] “esta conversão do espaço em tempo, portanto, leva um nome: o real. Dufour, Dany-Robert - Os Mistérios da Trindade.
    Se tomarmos o significante pela sua massa fônica [imagem acústica] tal como inaugurou Sexto Empírico, citado, ele será sempre um presente que escreve uma ausência. A lógica que teremos quando consideramos do ponto de vista lacaniano de que o significante representa o sujeito para outro significante iremos sacar que para além da cópula que é postulação conceitual, seu caminhar, sua travessia será de marcas de ausências que escrevem uma história que deixa sempre uma abertura que será de contorno de um buraco que jamais será plenamente preenchido a não ser por aquilo que falta em seu lugar: objeto a que de maneira quase espirituosa podemos dizer que aqui é onde a falta de objeto se faz objeto da falta. É a presença da ausência, ou a existência da inexistência, condição do pensamento lógico moderno.
                Aqui temos como um ponto de basta ou a efetuação de um lekton que se faz expresso, num efetivado paradoxal ou espirituoso, para onde a tensão interna dos corpos, ou de um corpo será conhecido, no sentido de apreendido. Para isso, temos de querer, e mesmo buscar o Acontecimento tal como o Conatus espinosano como primeiro ponto da Virtude. O Esforço (Conatus) para ser e continuar sendo cujo percurso é a busca da extensão do poder de afetar e ser afetado, é o que produz a extensão do presente. É o instante da sacada espirituosa, da presença-ausência do tércio que se esvai na efetivação da sacada, mas que deixa sua marca: koan, epifania, dito espirituoso [a sacada espirituosa] que apreendemos pelo efeito paradoxal que porta e é portado. Este elemento é o ex do tempo. O fora, ex-cêntrico, pois é feito de pura ex-sistência
                A Ética estóica concerne ao Acontecimento: ela consiste em querer o acontecimento como tal, isto é, em querer o que acontece tal como e enquanto acontece, fazê-lo sempre presente assertivo da arte de viver (ars vitae). Fazer com que aquilo que é puramente exprimível se faça expressão, que o lekton se efetive num elemento discreto do discurso em relação transferencial seguindo a tensão de corpos que ele contém tanto do ponto de vista da enunciação, do possível, como do enunciado que é efetuado logicamente, mas cujo encaixe se dá não pelos efeitos imediatos de suas significações, mas pela tensão de corpos que seu conatus contém e é contido.
                Temos de deslocar nossos termos usuais de representação: dialética, contradição, opostos etc e apostemos numa lógica de dobramentos, desdobramentos e redobramentos que são conjuntivos pelo instante factual, e disjuntivos em sua extensão temporal. É homólogo ao ato de escrever um tempo negativo ou uma cifra, o produto por qualquer ângulo que é tomado é positivo pelo tempo presente de sua escritura. E isso é o processo primário do significante no ensino de Lacan, ele escreve a presença de uma ausência, que cria um lugar num tempo paradoxal, que não exclui ou ao contrário, postula o que chamei de escultura do tempo, escultura do objeto a. Procedimento análogo ao Ato do ator ou do bailarino como nos lembra Deleuze. Escultura daquilo que falta em seu lugar senão seria pura reprodução mimética.
    O quê então esculpimos? – O Vazio no Tempo criando um Lugar para o Exprimível, o lekton.
        “O pensamento moderno mostrou que todo julgamento é um ato [...] no qual o momento de concluir e o tempo para compreender pode durar tão pouco quanto ao instante de olhar”.  J. Lacan. Écrits, p. 211/212.

    Se quisermos criar uma quase-extensão ou uma quase-causa de tempo para as sessões variáveis de Lacan, seria a do Instante. Tempo para compreender e momento de concluir pode induzir a busca de uma verificação que então se faz extensão. Aquele que saca – o $ujeito –, lhe dando suporte, o que ele saca é o efeito na posterioridade sim podemos ter uma extensão em paradoxo. A não ser que postulemos uma clínica modelar, mimética cujo proceder trabalha com uma realidade e cujo processo seria como a do uso do formão e do martelo. Teríamos em conseqüência de refutar a teoria do ato e do objeto a, duas invenções de Lacan sem as quais sua clínica perde sua distinção e possivelmente sua eficácia. Torna-se vulgar sem nenhum diferencial de outra qualquer e não seria uma clínica rigorosamente lacaniana.

                                                                                                      Atenciosamente Alduisio