sexta-feira, 27 de maio de 2011

Bruna Lombardi

Melodrama


Eu sou uma mulher espantada

o amor me molha toda

me deixa com dor nas costas

ele diz no fundo gostas

no fundo ele tem razão



o amor tinha de ser

mais uma contradição

tinha de ser verdadeiro

confuso e biscateiro

como em toda situação



tinha de ter remorso

e um querer e não posso

e toda essa aflição

tinha de me dar pancada

e eu cantar não dói nem nada

com um radinho na mão



tinha de fazer ameça

que é pra poder ter mais graça

como toda relação

tinha de ser dolorido



rasgar um pouco o meu vestido

depois me pedir perdão

e como em todo melodrama

terminar na minha cama

até por falta de opção.




quarta-feira, 25 de maio de 2011

Petrúcio Amorim

Esse poeta pernambucano foi praticamente meu vizinho; infelizmente não o conheci, pois aos treze anos de idade deixei Caruaru e vim pras Alagoas. Soube que ele morava no bairro do Vassoural, perto da marcenaria de Mestre Osvaldo, e, perto da casa de meus avós maternos, Dona Santa e Seu Damião. E tudo no meio da ladeira do Vassoural, pertinho do Colégio Industrial, em que minha irmã e minhas primas estudaram, e meu padrinho Leobino era professor. Eu nasci no Vassoural e me criei em seus becos, e por tudo isso a poesia de Petrúcio me toca fundo na alma, mas, você pode ter nascido em Viena, que dá no mesmo... Petrúcio é universal!

ANJO MALANDRINHO

Tanto tempo faz
Que eu não me apaixono
Faz tempo que ninguém
Me chama de amor
Carente solitário
Coração sem dono
Parece até gostar
De enganar a dor
Um riacho vazio
Correndo no peito
E ninguém dava jeito
Nesse meu viver
Mas eis que de repente
Pelo meu caminho
Um anjo malandrinho
Me trouxe você
Pra me botar no colo
E me fazer loucura
Provar toda doçura
Que tem a paixão
Ouvir as estrelas
Até faz sentido
Acordar com teu ouvido
No meu coração

Trazer pra minha vida
Toda alegria
Meu ouro minha guia
Meu entardecer
Felicidade agora
Achou meu endereço
Que bom que eu mereço
Estar com você

Manoel de Barros

Uma Didática da Invenção


do "O Livro das Ignoranças" ed. Civilização Brasileira.

I

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com

faca

b) 0 modo como as violetas preparam o dia

para morrer

c) Por que é que as borboletas de tarjas

vermelhas têm devoção por túmulos

d) Se o homem que toca de tarde sua existência

num fagote, tem salvação

e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega

mais ternura que um rio que flui entre 2

lagartos

f) Como pegar na voz de um peixe

g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.

Etc.

etc.

etc.

Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.



IV

No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava

escrito:

Poesia é quando a tarde está competente para

Dálias.

É quando

Ao lado de um pardal o dia dorme antes.

Quando o homem faz sua primeira lagartixa

É quando um trevo assume a noite

E um sapo engole as auroras



IX

Para entrar em estado de árvore é preciso

partir de um torpor animal de lagarto às

3 horas da tarde, no mês de agosto.

Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer

em nossa boca.

Sofreremos alguma decomposição lírica até

o mato sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.


IX

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa

era a imagem de um vidro mole que fazia uma

volta atrás de casa.

Passou um homem depois e disse: Essa volta

que o rio faz por trás de sua casa se chama

enseada.

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro

que fazia uma volta atrás de casa.

Era uma enseada.

Acho que o nome empobreceu a imagem.