quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Sobre o castigo corporal na educação de crianças.

"castiga teu filho, enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-lo"                             (Provérbios)   

            Já defendi a punição física sob a forma de "palmadinhas na bunda" na educação de crianças por achar que elas não trariam nenhum tipo de dano catastrófico para a personalidade da criança e até ajudaria a colocar de forma mais enfática aqueles limites que são essenciais para a construção de uma personalidade saudável. Como pai, apliquei esse tipo de castigo apenas duas vezes, uma em cada filho, e por um tipo de "má criação" semelhante nos dois casos - desrespeito e desafio a minha autoridade de pai. Nas duas vezes me senti muito mal depois do ocorrido. Achei no fundo um ato covarde: um adulto (quase um gigante para uma criança de 5 e 6 anos) a dominar pela força, imobilizar no colo e mandar chineladas na bunda de um pequenino com cara de apavorado. De tanto reviver essa cena, fui tomando consciência de que a palmada ou chinelada não é educativa no sentido que esperávamos que fosse.

            Os que defendem esse tipo de castigo argumentam, principalmente, que foram educados dessa forma e estão na atualidade muito bem, chegando até a agradecer aos seus pais por terem lhe castigado. Meditei sobre isso também, já que, eu também sou fruto dessa "educação" violenta: levei muitas surras de chinela, cinturão e porrada com as mãos também, tanto de meu pai quanto de minha mãe. O que aprendi com isso? Não lembro de ter aprendido nada, pois não parei de brigar com meus irmãos até chegar a adolescência, não passei a gostar de comer verduras ou frutas, e se aprendi algo foi a certeza - naquela época - de que meu pai não gostava de mim, essa foi a única conclusão a que cheguei em minhas análises juvenis. E até hoje tenho certeza que não lucrei nada dessa educação pela violência.

            Gostaria de analisar alguns motivos pelos quais não defendo mais o castigo físico como medida educacional. Em primeiro lugar, porque a motivação para a aplicação do castigo é decorrente de uma emoção negativa: a raiva. Quando os pais partem para o uso da violência física só o fazem por estarem tomados pela raiva, pela ira e muitas vezes pelo ódio por aquilo que a criança fez ou pela própria existência da criança enquanto sujeito provocador dessa fúria. Os pais que reagem agressivamente às demandas do filho sofrem aquilo que nós psicólogos chamamos de "sequestro emocional", uma suspensão abrupta da razão, que nos deixa cegos e surdos a quaisquer apelos racionais, e nos leva a agir (ou reagir) inteiramente tomados pela carga emocional do momento; e sob o domínio da emoção, ficamos completamente irracionais, e a irracionalidade mora na ante-sala das decisões estúpidas.

            Em segundo lugar, está mais do que provado pela Psicologia Behaviorista que o reforçamento é mil vezes mais eficaz que a punição para a aquisição ou manutenção daqueles comportamentos desejados pelo pai-mãe-educador. Então, se temos a ferramenta mais eficaz a nossa disposição por que não utilizá-la? Além disso existem outras formas de castigo que possuem a vantagem de não confundir mais ainda a cabeça da criança, ao ensiná-la que a violência é um meio legítimo de conseguir as coisas; pois, ao bater na criança é essa a mensagem que se está passando, lembrando que ela o (a) tem como modelo e aprende tudo isso com você pai-mãe. E mais: não se combate a violência (de crianças briguentas ou agressivas) com mais violência, isso é um completo contra senso.

            Nosso terceiro motivo se refere ao desconhecimento dos pais acerca da vida mental das crianças, de suas capacidades cognitivas e de seu desenvolvimento emocional. Seria muito bom se todos os pais tivessem acesso a esse tipo de conhecimento, mas, o fato de não tê-lo não justifica sua permanência na ignorância. Hoje em dia a mídia (televisão, rádio, revistas e internet) aborda temas ligados à educação de crianças em suas programações, existem livros e mais livros versando sobre a Psicologia Infantil, e o acesso aos serviços de orientação psicológica foi grandemente facilitado pela inclusão dos psicólogos na rede de atenção básica a saúde ligado ao SUS. Logo, quem deseja se informar sobre como lidar melhor com seus filhos não tem mais desculpas, a informação é acessível nas grandes cidades. E quais as vantagens desse conhecimento? Compreender que por trás dos choros, birras, negativismos, medos, dificuldades alimentares e condutas agressivas, esconde-se carência afetiva, insegurança, sentimentos de culpa, necessidade de autoafirmação, presunção cognitiva, imitação etc. O conhecimento leva à compreensão de que o comportamento reprovável apresentado pela criança, é antes de tudo uma expressão das dificuldades dela e não uma afronta deliberada a autoridade parental.

            Tem ainda um grupo de pessoas que afirmam usarem o castigo físico porque a Bíblia assim ensina. Esses são duplamente hipócritas. Primeiro porque se esquivam da responsabilidade pelo seu ato, que é justificado como ordem divina; e segundo porque quem assim procede, tão preocupado em cumprir a Bíblia se esquece de seguir outros conselhos bíblicos, tais como guardar o dia de sábado, não se alimentar de crustáceos ou mesmo tocar em mulher menstruada. A justificativa pela Bíblia é totalmente falha, e é geralmente dada por pessoas que desconhecem seu conteúdo e apegam-se a detalhes ouvidos ao acaso nos sermões de suas igrejas. Se vai seguir o escrito no livro de Provérbios (Pv.19.18, 22.15, 23.13-14), só para citar alguns poucos versículos em que se insiste no uso da "vara" para a correção da "má índole" das crianças, aproveite para seguir também o que preconiza o Deuteronômio (Dt. 22.20-21) quando sua filha lhe relatar que perdeu a virgindade antes do casamento. É realmente um absurdo tomar como código moral ou educacional os costumes de um povo tribal da Era do Bronze, promovido a mensagem inerrante de um deus todo-poderoso.

            Desse modo, concluímos que a educação pela violência é injustificada, ineficaz e prejudicial ao desenvolvimento da personalidade da criança. Se não causa nenhuma catástrofe psicológica da dimensão de uma psicose, ainda assim é capaz de produzir seres humanos inseguros, medrosos, com baixa apreciação de si mesmo e aptos a reagir com violência para a consecução de seus objetivos. O mais grave de tudo, é que por trás dessa pseudo-medida educativa escondem-se os mais sórdidos desejos sádicos de adultos perturbados que usam seus filhos para a gratificação de seus impulsos pervertidos e patológicos. E depois de uma sessão de espancamento, alguns desses sádicos ainda tem a cara de pau de dizer: "eu fiz isso para o seu bem"... Só sendo louco para acreditar numa mentira dessa. 

      

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