quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Um Autor Inventado: ou um poema e suas possibilidades de autoria.

Instantes – J.L. Borges?Nadine Stair? Don Herold?

"Se eu pudesse novamente viver a minha vida, 
na próxima trataria de cometer mais erros. 
Não tentaria ser tão perfeito, 
relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido. 
Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. 
Seria menos higiênico. Correria mais riscos, 
viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, 
subiria mais montanhas, nadaria mais rios. 
Iria a mais lugares onde nunca fui, 
tomaria mais sorvetes e menos lentilha, 
teria mais problemas reais e menos problemas imaginários. 
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata 
e profundamente cada minuto de sua vida; 
claro que tive momentos de alegria. 
Mas se eu pudesse voltar a viver trataria somente 
de ter bons momentos. 
Porque se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos; 
não percam o agora. 
Eu era um daqueles que nunca ia 
a parte alguma sem um termômetro, 
uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas e, 
se voltasse a viver, viajaria mais leve. 
Se eu pudesse voltar a viver, 
começaria a andar descalço no começo da primavera 
e continuaria assim até o fim do outono. 
Daria mais voltas na minha rua, 
contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, 
se tivesse outra vez uma vida pela frente. 
Mas, já viram, tenho 85 anos e estou morrendo" 

Esse é o famoso poema atribuído a Borges. Mais tarde, descobriu-se (pelo menos temporariamente) ter sido escrito por Nadine Stair, uma poetisa estadunidense praticamente desconhecida nos meios literários. Seus versos ganharam o mundo, foram utilizados em comerciais de TV, estampados em canecas, camisetas e cartões. Com o advento da internet ele explodiu nos cinco continentes, e, talvez tenha sido a “mensagem de amor à vida” mais transmitida pela rede mundial de computadores em todos os tempos, o que acabou por ajudar os fãs de Borges ou aqueles leitores mais curiosos a descobrir a verdadeira autoria.
Para José Neumanne Pinto: “A autoria não resistiria a uma análise crítica criteriosa, mas seu nome foi associado à peça literária sem valor nenhum e ganhou o tom de mensagem de amor à vida. Ninguém em pleno domínio das faculdades mentais imaginaria que o mestre fosse capaz de versos cafonas como: “Se pudesse voltar a viver / começaria a andar descalco no começo da primavera”. Talvez o próprio Borges risse, se recebesse um cartão de Natal com o pobre poema que algum anônimo associou a seu nome, então já uma grife.

Certa feita, na livraria de Alfonso Guerra em Sevilha, uma mulher confessou a María Kodama (viúva de Borges) sua admiração por estes versos, sua identificação com o conteúdo. A resposta de Kodama foi devastadora: "Si Borges hubiera escrito eso yo habría dejado de estar enamorada de él en ese momento". "El poema, sin ningún valor literario" escreveu Kodama, "desvirtúa el mensaje de la obra de Borges. Amparándose en una firma famosa, se intenta transmitir un sentido de la vida completamente materialista, sin ninguna busca de perfección espiritual ni inquietud intelectual".

A poeta e pesquisadora Betty Vidigal, em artigo para o Jornal de poesia, apresenta o poema em seu idioma original (inglês) e mais uma revelação: o tal “Instantes” não poderia ter sido escrito por Nadine Stair porque não existe nenhuma escritora com esse nome no local ou época indicados. O autor seria Don Herold (1889-1966), escritor e humorista estadunidense que assim publicou seu poema, intitulado “Daisies”, em outubro de 1953:

“Of course, you can't unfry an egg, but there is no law against thinking about it. If I had my life to live over again, I'd try to make more mistakes next time. I would relax. I would limber up. I would be sillier than I have been this trip. I know of very few things I would take seriously. / I would be crazier. I would be less hygienic. I would take more chances. I would take more trips. I would climb more mountains, swim more rivers, and watch more sunsets. / I would burn more gasoline. I would eat more ice cream and fewer beans. I would have more actual problems and fewer imaginary ones. / You see, I am one of those people who live prophylactically and sensibly and sanely. Hour after hour. Day by Day. / Oh, I have had my moments, and if I had it to do over again, I'd have more of them. In fact, I'd having nothing else. Just moments, one right after another instead of living so many years ahead of each day. / I have been one of those people who never go anywhere without a thermometer, a hot water bottle, a gargle, a rain coat, and a parachute. / If I had it to do over again, I would go places and do things and travel lighter than I have. If I had my life to live over, I would start barefoot earlier in the spring and stay that way later in the fall. / I would play hockey more often. I would ride more merry-go-rounds. I'd pick more daisies.

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