quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

O que é Literatura de Cordel


As origens da Literatura de Cordel (LC) brasileira ainda hoje permanecem sujeitas a controvérsias que geraram, ao longo do tempo, debates calorosos a respeito de sua descendência européia ou seu surgimento no Nordeste do Brasil. É certo que a LC possui raízes na literatura oral e sendo uma poesia narrativa, encontramos práticas similares na antiga Grécia, Ásia, África e na Europa. O fato de que as primeiras histórias do cordel brasileiro tenham sido adaptações dos romances de cavalaria da Europa medieval, também reforça a tese da origem ultramarina; em Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Holanda e Alemanha já existiam folhetos em prosa e poesia vendidos nas feiras a preços baixos narrando histórias tradicionais como: Carlos Magno e os doze pares de França, Princesa Magalona, Imperatriz Porcina, Donzela Teodora, Roberto do Diabo; fatos históricos e até poesia erudita – como Góngora e as trovas de Gil Vicente – eram transcritos para os livretos e declamados pelos menestréis e jograis. Toda essa literatura volante européia certamente chegou ao continente americano; no México, por exemplo, encontramos um tipo de desafio verbal semelhante ao dos repentistas nordestinos, chamado de “contrapunteo”, além do “corrido” – folheto semelhante ao nosso cordel narrando histórias tradicionais em verso ou prosa –, que também se manifesta na Nicarágua, no Peru, no Chile e na Argentina. Tomemos como exemplo este corrido da época da revolução mexicana intitulado “El fusilamiento del general Felipe Ángeles”:

Em mil novecientos veinte
señores, tengan presente,
fusilaron em Chihuahua
um general muy valiente.

Em la estacion de la Aurora
el valiente general,
com veinte hombres que traía,
se lês paraba formal.

Alli perdió diez dragones
de los veinte que traía
y com el resto se fué
por toda la serrania.

O termo “literatura de cordel” – herança lusitana – é derivado da forma de exposição dos folhetos, pendurados em barbantes, nas feiras, praças e ruas de Portugal; no entanto, também receberam outras denominações, como “folhas soltas”, “folhas volantes” e “literatura de cegos”, já que a comercialização foi feita durante muito tempo pela Irmandade do Menino Jesus dos Cegos de Lisboa, que, em 1789, obteve os direitos exclusivos de venda. Na Espanha, os folhetos eram conhecidos como “pliegos sueltos” ou simplesmente “hojas”, chegaram a ser proibidos pelo rei Carlos III devido ao plágio das obras eruditas e seu humor obsceno; na França era “littérature de colportage”, ou literatura volante, dividida em “occasionnels” para o público rural e “canard” para o urbano; na Inglaterra os folhetos também eram divididos em duas categorias, os “cocks” ou “catchpennies” para os romances, e os “broadsides (lado largo)” para os fatos históricos; na Holanda e na Alemanha os folhetos datam do século XV e XVI, contando inclusive com um tipo de apresentação semelhante ao cordel brasileiro, xilogravura temática na capa e formato tipográfico similar; e, fato curioso, são nesses dois países que aparecem os primeiros livretos de cordel que falam sobre o Brasil, como o que traz a história de Hans Staden. Slater (1984:10) observa que as versões orais e escritas dos folhetos portugueses influenciaram o cordel nordestino, mas salienta uma peculiaridade de nosso cordel: “com exceção de pequeno número de preces em prosa”, ele é exclusivamente poético. Um outro aspecto que também aproxima o nosso cordel de seus congêneres europeus é a derivação da literatura oral com sua forma característica de divulgação: trovadores, menestréis e jograis levavam às massas populares nas feiras e festividades, uma versão cantada da literatura erudita consumida pela “corte” e pelo clero; e no Nordeste, muito antes da existência dos livretos de cordel, nossos “repentistas” e “cantadores” faziam a alegria das feiras e festas com os desafios verbais – pelejas – e histórias de amor e heroísmo para o deleite do povo analfabeto e semi-alfabetizado do sertão e agreste nordestino.

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