quarta-feira, 25 de maio de 2011

Manoel de Barros

Uma Didática da Invenção


do "O Livro das Ignoranças" ed. Civilização Brasileira.

I

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com

faca

b) 0 modo como as violetas preparam o dia

para morrer

c) Por que é que as borboletas de tarjas

vermelhas têm devoção por túmulos

d) Se o homem que toca de tarde sua existência

num fagote, tem salvação

e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega

mais ternura que um rio que flui entre 2

lagartos

f) Como pegar na voz de um peixe

g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.

Etc.

etc.

etc.

Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.



IV

No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava

escrito:

Poesia é quando a tarde está competente para

Dálias.

É quando

Ao lado de um pardal o dia dorme antes.

Quando o homem faz sua primeira lagartixa

É quando um trevo assume a noite

E um sapo engole as auroras



IX

Para entrar em estado de árvore é preciso

partir de um torpor animal de lagarto às

3 horas da tarde, no mês de agosto.

Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer

em nossa boca.

Sofreremos alguma decomposição lírica até

o mato sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.


IX

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa

era a imagem de um vidro mole que fazia uma

volta atrás de casa.

Passou um homem depois e disse: Essa volta

que o rio faz por trás de sua casa se chama

enseada.

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro

que fazia uma volta atrás de casa.

Era uma enseada.

Acho que o nome empobreceu a imagem.

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