segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Jorge Luis Borges

Uma oração

Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo. Hoje de manhã, dia primeiro de julho de 1969, quero tentar uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me. O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta. A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão revelados.
Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro, meu corpo.


O poema acima foi extraído do livro "Elogio da Sombra", Editora Globo - Porto Alegre, 2001, pág. 75 (tradução: Carlos Nejar e Alfredo Jacques; revisão da tradução: Maria Carolina de Araújo e Jorge Schwartz).

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Alfred Benjamin

"Para mim, a entrevista é um diálogo entre duas pessoas, diálogo que é sério e tem um propósito. A questão fundamental para o entrevistador deve ser sempre a seguinte: qual será o melhor modo de ajudar a pessoa?"

"Minha experiência me ensina que a maior parte dos entrevistadores principiantes considera difícil suportar o silêncio. Eles parecem julgar que, se há um silêncio, a culpa é deles, e o lapso deve ser corrigido imediatamente e a qualquer preço".
Recomendo sempre esse livro para todas as pessoas que vão trabalhar com gente. Não é um manual de receitas ou de técnicas, é antes, um relato da experiência do autor em seus contatos com pessoas que buscavam ajuda diante do sofrimento.

sábado, 15 de novembro de 2008

Fé cristã e a responsabilidade com o uso honesto dos dízimos.

Neste artigo (dividido em três partes), Antônio Fernandes Dantas expõe questões relevantes acerca da fé cristã. Encontramos uma descrição detalhada sobre os diversos grupos de igrejas cristãs (Católica Romana, Católica Ortodoxa, Protestantes Tradicionais, Protestantes Pentecostais, Neopentecostalismo etc) suas principais características e doutrinas. Na terceira parte, o autor ensina como identificar as chamadas "igrejas arrecadadoras", aquelas que visam tão somente o lucro esquecendo do principal: a pregação do Evangelho. Ele também descreve algumas práticas que podem servir de pista para a identificação de igrejas descomprometidas com a Palavra de Deus, tais como as "famosas campanhas", cujo principal objetivo é arrecadar fundos para deleite próprio, usando o dinheiro dos dízimos e ofertas para finalidades outras, que não visam a expansão do Reino de Deus. Vale à pena conferir.
Para ler o artigo clique no link abaixo e digite o título no buscador do site:
http://recantodasletras.uol.com.br/publicacoes.php

domingo, 9 de novembro de 2008

O corpo: sedução e histeria.



RESUMO

Este artigo analisa sucintamente o papel da sedução enquanto fenômeno chave na sintomatologia da histeria e suas implicações na construção e desenvolvimento do corpo, erotizado pela linguagem e lugar do desejo.

Palavras-chave: Corpo. Histeria. Sedução. Psicanálise. Transferência.

 


 

Na pré-história da psicanálise – ente 1895 e 1897 – quando Freud descobriu a etiologia sexual das neuroses e suas raízes na infância, promoveu como evento traumático uma sedução sexual sofrida pelo sujeito em tenra idade. Teoria da sedução sexual precoce, que algum tempo depois viria a ser refutada pelo próprio Freud, quando depois de alguns anos de exaustiva escuta, descobre com certa admiração, que suas histéricas mentiam, conforme escreveu a Fliess na carta de 21 de setembro de 1897. No entanto, em sua mentira elas revelavam uma verdade até então oculta; pois, em suas fantasias, a sedução viria a desempenhar um importante papel, por estar apoiada nos prazeres sentidos em seu corpo quando dos primeiros cuidados corporais.

A sedução é o primeiro acontecimento. Faz parte daquilo que é descrito pela psicanálise como “experiência de satisfação”. Experiência mítica do reencontro da unidade perdida da vida intra-uterina, marcada pela ausência de tensões corporais. Essa experiência de prazer marca de forma definitiva o sujeito, e está na base daquilo que mais tarde Lacan chamaria de “objeto a”, objeto causa do desejo no qual a criança se converteria após um corpo-a-corpo doentio com o outro sedutor.

Antes de prosseguirmos investigando os aspectos estruturais e psicopatológicos da sedução, vamos pontuar algumas questões que nos parecem relevantes: em primeiro lugar, o que levou Freud a corrigir tão incisivamente a teoria da sedução, apesar de tantas evidências (dezoito casos)? Em segundo lugar, por que três meses após a “correção” ele escreveu a Fliess sobre o aumento de sua confiança na “etiologia paterna” referindo-se à teoria da sedução? Podemos citar também a presença da sedução durante o tratamento, que fez com que  Breuer – seduzido pelos encantos juvenis de Anna O. – abandonasse o tratamento da histeria e deixasse “cair a chave” que abriria a porta do mistério do fenômeno histérico. Freud apanha a chave e a despeito dos obstáculos externos e resistências internas adentra nesse quarto escuro, lançando uma luz sem, no entanto, clarear tudo.

A morte de seu pai em 1896, entre outros fatores, fez com que ele se desfizesse da teoria da sedução, sem rejeitar sua importância na etiologia de algumas neuroses. Mas havia ainda alguma coisa, que malgrado todas as evidências – a sedução operada por babás, governantas e pelos pais – levava Freud a afirmar que cometera um grande erro, “um erro que repetidamente reconheci e desde então corrigi”, como foi ressaltado por Peter Gay (1987, p.102). Havia Monika Zajc, sua babá que o iniciou no onanismo, e, de acordo com This (1987, p.67), fê-lo retirar a sílaba “mo” de seu prenome Sigismond, “portador das letras proibidas”. Tentativa de afastar o fantasma da sedução que retornaria anos depois sob a pena de Sandor Ferenczi.

Ainda de acordo com a teorização de This, havia uma outra razão para desejar livrar-se dessa incômoda teoria: Mathilde, sua filha, com quem “tivera sonhos eróticos e uma ternura que ia além do ‘permitido’ entre um pai e uma filha”. Enfim, abandonar a teoria da sedução tinha lá suas vantagens: Monika e Mathilde recalcadas, e, seu pai “reabilitado”. Sigmund Freud poderia ter terminado sua pesquisa por aí, no entanto, a coragem do desbravador falou mais alto: a sedução poderia não ser a pedra angular da etiologia das neuroses, porém, é impensável construir uma teoria das neuroses sem levá-la em conta.

O papel desempenhado pela sedução nas manifestações clínicas e comportamentais da histeria é o objetivo de nossa investigação, bem como, o de situar o corpo como lugar privilegiado em que se desenrola a cena desiderativa: corpo seduzido-corpo sedutor. Para empreender tal tarefa, recorremos aos postulados de Freud e Lacan no que concerne ao complexo de Édipo e de castração, para situar o corpo como arma de sedução e seu percurso de seduzido a sedutor. E, será a partir da histeria que examinaremos essas questões, até porque as questões colocadas pela estrutura histérica implicam esse corpo.

De início convém relembrarmos a história dos primeiros cuidados prestados pela mãe ao bebê, cujo teor erótico é pouco lembrado, mas que exercem uma profunda e duradoura influência sobre o psiquismo, conferindo à sexualidade seu caráter essencialmente perverso, marcando o desejo e a forma de satisfazê-lo. E tudo começa com a sedução da criança pelo outro; esse outro que após um período depressivo causado entre outras coisas pela perda de completude ocasionada pelo parto e pelas fantasias associadas a ele, fica agora, como que fascinada pela sua cria, e, engaja-se a partir de então em um corpo-a-corpo que se estende por alguns anos, cujo efeito imediato é a erotização do corpo da criança. Corpo que mesmo antes da concepção já fora objeto das fantasias maternas: “espero que nasça perfeito”, “não sei como reagiria se meu filho nascesse defeituoso ou anormal”, “eu quero que ele tenha os olhos de meu pai, a boca de meu marido e o nariz de minha mãe”; e após o nascimento será marcado pelas palavras e ações da mãe através do contato corporal.

A criança surge assim, para obturar essa falta no outro: fazer de sua mãe uma mulher completa, cheia, plena, ou como destaca André (1994, p.192), “a criança ocupa primeiramente a posição daquilo que vem arrolhar a falta que causa o desejo”. A relação entre a mãe e essa criança imaginária só vem a ser perturbada quando surge a criança real, que acorda na madrugada, chora, se suja e adoece. O choque da realidade causa confusão em muitas mães, levando-as a perceber a criança como algo estranho e assustador, questionando-se se será uma boa mãe – já que a criança real não é a mesma de sua fantasia. Porém, o fascínio resiste devido às implicações narcísicas, e a criança é então promovida à categoria de objeto causa do desejo – “objeto a” na elaboração lacaniana.

Ocupando essa posição em relação à mãe, resta à criança transformar-se naquilo que ela supõe ser o objeto de desejo desta, aquilo que a faria completa, e este objeto é precisamente o falo. Isto é o primeiro tempo do complexo de Édipo em que a criança real busca fazer-se criança imaginária (falo). No segundo momento, a interdição paterna priva a criança desse outro, impedindo a satisfação dos impulsos, dessa forma, frustra-a e é promovido à categoria daquele que supostamente detém o atributo fálico. Assim, chega-se ao terceiro momento do complexo de Édipo em uma leitura lacaniana, em que a criança – menino e menina – é submetida ao jogo das identificações o que marca o fim desse complexo. O menino desiste de ser falo de sua mãe – para salvar seu pênis – e identificando-se com seu pai, engaja-se numa dialética de ter o falo. Com a menina a história toma rumos diferentes: é a partir do complexo de castração que ela é introduzida no complexo de Édipo positivo. A percepção da vagina como não-sexo, como lugar da ausência, como atestado de uma castração, leva a menina a abandonar cheia de ódio e ressentimento esse amor castrado (a mãe) e dirigir-se para o pai na esperança de receber dele o falo sob a forma de filho.

Em seu percurso para tornar-se uma mulher, a menina atravessa uma fase masculina, ou como afirmava Freud, “devemos reconhecer que a menina é um pequeno homem”; isso é uma tentativa de negar a castração e permanecer com a ilusão de possuir o falo. Essa cristalização na identificação fálica é o que confere a marca do feminino na histeria, já que a mulher está mais sujeita – pela própria anatomia – a se engajar nesse projeto. No entanto, essas identificações não suprimem as dúvidas sobre o que se é, e sua pergunta mais freqüente é: o que sou eu? E a resposta vem diretamente do corpo fazendo com que ela passe da responsabilidade de ter o falo para a de sê-lo em seu próprio corpo.

O corpo para a psicanálise é bem mais que um amontoado de órgãos trabalhando em sincronia; é um corpo erógeno, como descreve Masotta (1987, p.98), que “pode gozar ignorando que goza ou que pode conseguir o gozo como certeza, sem deixar de ignorar a gênese e a estrutura dessa certeza e desse gozo”, e acrescenta: “se o corpo erogeniza é porque extrai, em primeiro lugar, sua sexualidade de seu contato com o corpo da mãe”. Entretanto, aquilo que é aprendido com ela não pode ser utilizado senão com outra pessoa, logo, este corpo seduzido passivamente transformar-se-á em ativo, sedutor, tomando a aparência imaginária de corpo fálico, completo (ou quase) e não castrado.

Como afirmamos acima, em relação à dúvida fundamental na histeria – ser homem (atividade) ou ser mulher (passividade) – a resposta se apresenta antes que a pergunta se torne consciente, e o teatro da histeria tem início: a menina representa ser “a mulher”. De acordo com Mayer (l989, p.61) essa vivência se desenvolve

através de um vestuário calculadamente natural, de um manejo corporal administrado até o detalhe, de olhares carregados, do enigma de seu sorriso..., a histérica representa ante o homem não somente que é uma mulher excepcional, única e desejável, mas também que tem algo mais que não se vê, algo que a torna mais desejável ainda.

Uma super-fêmea, cujo corpo é o estandarte a ser apresentado no jogo da sedução, corpo que se mostra e se esconde, corpo portador desse algo mais que quase ninguém tem – o falo.

É por essa via que podemos tomar o corpo no fenômeno histérico como equivalente ao “falo imaginário”, que assim como a criança imaginária faz sua mãe gozar o mais sublime dos gozos: padecer no paraíso. Como falo, ela não se contenta em seduzir apenas o outro, mas, precisa de um público que confirme sua crença imaginária. Ser vista, ser notada, ser olhada são desejos que apelam para a pulsão escópica. A moda e a mídia conferem um padrão capaz de enlouquecer àquelas que não se adéquam as suas exigências métricas. As academias de ginástica promovem um culto às formas “trabalhadas” do corpo ideal, que, ao lado da parafernália dos cremes e cosméticos, da roupa que esconde e exibe, preparam o sujeito para o desfile de sedução de seu dia-a-dia. Como sublinhava Reich (1972, p.239), “[...] com movimentos que possuem uma qualidade saltitante, uma flexibilidade e certa dose de provocação sexual”, a histérica tenta seduzir seu público, saltando da passividade para a atividade, sem, no entanto, nada saber sobre seu desejo, que se lhe for apontado lhe aparece como surpreendente. Mayer (1989, p.59) afirma, e a experiência tem confirmado, que tanto o “discurso verbal manifesto, como o discurso plástico das imagens oníricas ou corporais {na histeria}, são metáforas eróticas que todos entendem, menos ela que se mostra surpreendida e escandalizada”.

Com o alimentado sonho da perfeição corporal via intervenções cirúrgicas, cosméticos e academias de ginástica, aliada a um jeito de ser enigmático e sedutor, ela tem a ilusão de ser tudo: a criança imaginária de sua mãe e o objeto de amor de um pai idealizado. Pois, sendo bela e perfeita será, enfim, desejada. O esmero no trajar que tenta capturar de imediato o olhar do outro, serve em primeiro lugar para ratificar sua “teoria” de ser possuidora desse “algo mais”, mas, por outro lado, faz com que ela entre em um círculo vicioso marcado pela insatisfação – já que o ato sexual é geralmente decepcionante, oportunidade ímpar para humilhar o parceiro “que não consegue fazê-la gozar”. Como defesa, o sujeito histérico refugia-se no reino do imaginário, impedindo desse modo que venham à consciência os sentimentos que abriga inconscientemente, de ser “feia, incompleta, vazia, que os homens têm mais, que para eles tudo é mais fácil etc”. Mayer (1987, p.59).

Como se não bastasse tanta dificuldade, a realidade, sob a forma da passagem dos anos vem marcar esse corpo com a tinta do envelhecimento, pondo em xeque sua imagem idealizada, retirando a máscara de sua identidade mítica, abalando sua auto-estima e levando-a finalmente à depressão ou a paranóia, ou seja, àquele lugar em que a histeria resvala na psicose.

Durante o tratamento analítico a sedução se manifesta de múltiplas formas: no vestuário, no falar, no silenciar, nos olhares, no aperto de mãos na despedida etc. O corpo que está deitado no divã está constantemente inundado por sentimentos de medo e vergonha de num pequeno deslize mostrar-se como é – faltoso. As fantasias inundam a mente: “Imaginei que você vinha até aqui, deitava comigo e me fazia um monte de carinhos”, ou “Eu esperava que você me agarrasse, me beijasse... então eu diria: hoje não doutor, é que eu não fiz depilação”.  A transferência ganha um colorido erótico, e transforma-se na maior resistência ao trabalho analítico: “Será que você me acha atraente?”, “Transei com meu parceiro pensando em você”. Como responder a tais demandas que nos colocam no lugar de objeto causa de desejo? Não há como responder sem que se revele sua própria sexualidade “furada”; pois o saber sobre o sexo e o amor, deixamos aos perversos e suas ilusões (certezas), importa, a nós analistas, ficarmos em nosso lugar de semblante – seduzido e sedutor – porém, apoiados numa ética que nos leva a esperar que lá onde “isso” era, advenha o “eu”. E durante o longo percurso de nosso trabalho, ela segue seu caminho, como Gradiva – em busca do amor – brilhando enquanto caminha.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

ANDRÉ, Serge. O que quer uma mulher? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.

 

FREUD, Sigmund.  Feminilidade. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XXII. Rio de Janeiro: Imago, 1970.

 

MASOTTA, Oscar. O comprovante da falta: lições de introdução à psicanálise. Campinas: Papirus, 1987.

 

MAYER, Hugo. Histeria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

 

REICH, Wilhelm. Análise do caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1972.

 

THIS, Bernard. Introdução à obra de Ferenczi. In: NASIO, Juan-David (org.). Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.

 



domingo, 28 de setembro de 2008

William Shakespeare


SONETO LXXXVIII


Quando me tratas mau e, desprezado,

Sinto que o meu valor vês com desdém,

Lutando contra mim, fico a teu lado

E, inda perjuro, provo que és um bem.

Conhecendo melhor meus próprios erros,

A te apoiar te ponho a par da história

De ocultas faltas, onde estou enfermo;

Então, ao me perder, tens toda a glória.

Mas lucro também tiro desse ofício:

Curvando sobre ti amor tamanho,

Mal que me faço me traz benefício,

Pois o que ganhas duas vezes ganho.

Assim é o meu amor e a ti o reporto:

Por ti todas as culpas eu suporto.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Facundo Cabral - 2


NO ESTÁS DEPRIMIDO


No estás deprimido, estás distraído, distraído de la vida que puebla. Distraído de la vida que te rodea: delfines, bosques, mares, montañas, ríos. No caigas en lo que cayó tu hermano, que sufre por un ser humano cuando en el mundo hay 5,600 millones. Además no es tan malo vivir solo. Yo la paso bien, decidiendo a cada instante lo que quiero hacer, y gracias a la soledad me conozco, algo fundamental para vivir. No caigas en lo que cayó tu padre, que se siente viejo porque tiene 70 años, olvidando que Moisés dirigía el éxodo a los 80 y Rubinstein interpretaba como nadie Chopin a los 90. Solo por citar dos casos conocidos.
No estás deprimido, estás distraído, por eso crees que perdiste algo, lo que es imposible, porque todo te fue dado. No hiciste ni un solo pelo de tu cabeza por lo tanto no puedes ser dueño de nada. Además, la vida no te quita cosas, te libera de cosas. Te aliviana para que vueles mas alto, para que alcances la plenitud. De la cuna a la tumba es una escuela, por eso lo que llamas problemas son lecciones. No perdiste a nadie, el que murió simplemente, se nos adelantó, porque para allá vamos todos. Además lo mejor de él, el amor, sigue en tu corazón. ¿Quién podría decir que Jesús está muerto? No hay muerte: hay mudanza. Y del otro lado te espera gente maravillosa: Gandhi, Michelangelo, Whitman, San Agustín, la Madre Teresa, tu abuela y mi madre, que creía que la pobreza está más cerca del amor, porque el dinero nos distrae con demasiadas cosas, y nos aleja por que nos hace desconfiados.
Haz sólo lo que amas y serás feliz, y el que hace lo que ama, está benditamente condenado al éxito, que llegará cuando deba llegar, porque lo que debe ser será, y llegará naturalmente. No hagas nada por obligación ni por compromiso, sino por amor. Entonces habrá plenitud, y en esa plenitud todo es posible. Y sin esfuerzo porque te mueve la fuerza natural de la vida, la que me levantó cuando se cayó el avión con mi mujer y mi hija; la que me mantuvo vivo cuando los médicos me diagnosticaban 3 ó 4 meses de vida.
Dios te puso un ser humano a cargo, y eres tú mismo. A ti debes hacerte libre y feliz, después podrás compartir la vida verdadera con los demás. Recuerda a Jesús: “Amarás al prójimo como a ti mismo”. Reconcíliate contigo, ponte frente al espejo y piensa que esa criatura que estás viendo es obra de Dios; y decide ahora mismo ser feliz porque la felicidad es una adquisición.
Además, la felicidad no es un derecho sino un deber, porque si no eres feliz, estás amargando a todos los que te aman. Un solo hombre que no tuvo ni talento ni valor para vivir, mandó a matar seis millones de hermanos judíos. Hay tantas cosas para gozar y nuestro paso por la tierra es tan corto, que sufrir es una pérdida de tiempo. Tenemos para gozar la nieve del invierno y las flores de la primavera, el chocolate de la Perugia, la baguette francesa, los tacos mexicanos, el vino chileno, los mares y los ríos, el fútbol de los brasileiros, Las Mil y Una Noches, la Divina Comedia, el Quijote, el Pedro Páramo, los boleros de Manzanero y las poesías de Whitman, Mahler, Mozart, Chopin, Bethoven, Caravaggio, Rembrant, Velásquez, Picasso y Tamayo entre tantas maravillas.
Y si tienes cáncer o sida, pueden pasar dos cosas y las dos son buenas; si te gana, te libera del cuerpo que es tan molesto: tengo hambre, tengo frío, tengo sueño, tengo ganas, tengo razón, tengo dudas….y si le ganas, serás humilde, más agradecido, por lo tanto fácilmente feliz. Libre del tremendo peso de la culpa, la responsabilidad, y la vanidad, dispuesto a vivir cada instante profundamente como debe ser.
No estás deprimido, estás desocupado. Ayuda al niño que te necesita, ese niño será socio de tu hijo. Ayuda a los viejos, y los jóvenes te ayudarán cuando lo seas. Además, el servicio es una felicidad segura, como gozar a la naturaleza y cuidarla para el que vendrá. Da sin medida y te darán sin medidas. Ama hasta convertirte en lo amado, más aún hasta convertirte en el mismísimo amor. Y que no te confundan unos pocos homicidas y suicidas, el bien es mayoría pero no se nota porque es silencioso, una bomba hace más ruido que una caricia, pero por cada bomba que le destruya hay millones de caricias que alimenta a la vida.


Breve biografía
Facundo Cabral nasceu em 22 de maio de 1937 em La Plata, província de Buenos Aires, Argentina. Filho de Sara e de Rodolfo, que abandonou a esposa e os três filhos, que emigraram para a Terra do Fogo, sul da Argentina. Teve uma infância difícil ao ponto de cair na delinquência e ser preso em um reformatório. Tempos depois teve um encontro com Deus ouvindo as palavras de Simeón, um velho vagabundo. Foi morar em Tandil, onde realizou todo tipo de tarefas, de gari a peão de colheitas. Em 1959 já tocava guitarra e cantava, tendo como ídolo, Atahualpa Yupanqui. Mudou-se para Mar del Plata, cidade balneária da Argentina e solicitou trabalho em um hotel. O dono, ao vê-lo com a guitarra lhe deu a oportunidade de cantar. Assim começou sua carreira dedicada a música, sendo seu primeiro nome artístico, “El Indio Gasparino”. O sucesso chega com a canção “No soy de aquí, no soy de allá”, em 1970. Suas canções de protesto em busca do amor incondicional e universal, o levam a peregrinar por 165 países. Em reconhecimento a sua constante jornada pela paz e pelo amor, a UNESCO, lhe concedeu o título de Mensageiro Mundial da Paz.

Alberto Cortez e Facundo Cabral


"Te quiero"

Clique no link e ouça...

Facundo Cabral

Clique no link abaixo e ouça "Cancion sin titulo", uma poesia muito massa do cantor e compositor argentino Facundo Cabral... Aproveitem!
http://br.youtube.com/watch?v=cLWL2NLJAOU

terça-feira, 8 de julho de 2008

Fernando Pessoa - 2

QUASE

Ainda pior que a convicção do não, é a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase!
É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.
Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase amou não amou.
Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.
Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna.
A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e na frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "bom dia", quase que sussurrados.Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz.
A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor.
Mas não são.Se a virtude estivesse mesmo no meio-termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.
O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.
Preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.Para os erros há perdão, para os fracassos, chance, para os amores impossíveis, tempo.
De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma.Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar.
Desconfie do destino e acredite em você.
Gaste mais horas realizando que sonhando...
Fazendo que planejando...
Vivendo que esperando...
Porque, embora quem quase morre esteja vivo,
quem quase vive já morreu.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

João Cabral de Melo Neto


Tecendo a Manhã


1
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,

se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

(A Educação pela Pedra)

domingo, 11 de maio de 2008

GONZAGA LEÃO - 2

POEMA DOIS

Pude enfim erguer a casa
erguer sem barro sem cal
pedra madeira ou pilastra.
A casa quase irreal
não tocável não palpável
mas simplesmente sonhada.
A casa somente canto
casa somente palavra.
Transparente como vidro
e fugitiva como asas.
Casa que antes de construída
já por ela o vento entrava
e a manhã (se amanhecia)
era essa casa o primeiro
lugar que ela ocupava.
Na cama que não havia
em pensamento eu deitava
e a mulher que eu possuía
era a mulher não chegada
que sem vir sempre partia
e que partindo ficava.
E o vinho que ela servia
simulado como a taça
mais que o real nos tocava.
e a gente punha cuidados
especiais para que
mesa talheres toalha
de repente não voassem.
Pude enfim erguer a casa.
A casa insubsistível
se olhada se observada
se vista como outras casas.
Porque sem área porque
sem paredes sem telhado.
A casa que apenas vi
que senti e que habitei
que somente foi real
depois de desmoronada.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

TESE DE GUERDJEF

Esta é a tese do pensador russo chamado GUERDJEF que no início do século passado já falava em auto conhecimento e da importância de se saber viver bem. Dizia ele: “Uma boa vida tem como base o sentido do que queremos para nós em cada momento, e daquilo que realmente vale como principal”. No Instituto Francês de Ansiedade e Stress (Paris), foram colocadas em destaque, 20 regras de vida que Guerdjef traçou. Dizem os “experts” em comportamento que, que já consegue assimilar 10 delas, com certeza aprendeu a viver com melhor qualidade interior.

1 - Faça pausas de dez minutos a cada duas horas de trabalho, no máximo. Repita essas pausas na vida diária e pense em você, converse com alguém e analise suas atitudes.
2 - Aprenda a dizer não sem se sentir culpado ou achar que magoou. Querer agradar a todos é um desgaste enorme.
3 - Planeje seu dia, sim, mas deixe sempre um bom espaço para o improviso, consciente de que nem tudo depende de você.
4 - Concentre-se em apenas uma tarefa de cada vez. Por mais ágeis que sejam os seus quadros mentais, você se exaure.
5 - Pare de pensar, de uma vez por todas, que você é imprescindível. No trabalho, em casa, no grupo habitual. Por mais que isso lhe desagrade, tudo anda sem a sua atuação, a não ser você mesmo.
6 - Abra mão de ser o responsável pelo prazer de todos. Você não é a fonte dos desejos, o eterno mestre de cerimônias.
7 - Peça ajuda sempre que necessário, tendo o bom senso de pedir às pessoas certas.
8 - Diferencie problemas reais de problemas imaginários e elimine-os porque são pura perda de tempo e ocupam um espaço mental precioso para coisas mais importantes.
9 - Tente descobrir o prazer de fatos cotidianos como dormir, comer e tomar banho, sem também achar que isso é o máximo a se conseguir na vida.
10 - Evite se envolver na ansiedade e tensão alheias. Espere um pouco e depois retome o diálogo, a ação.
11 - Família não é você, está junto de você, compõe o seu mundo, mas não é a sua própria identidade.
12 - Entenda que princípios e convicções fechadas podem ser um grande peso, a trava do movimento e da busca.
13 - É preciso ter sempre alguém em que se possa confiar e falar abertamente ao menos num raio de 100 km Não adianta estar mais longe.
14 - Saiba a hora certa de sair de cena, de retirar-se do palco, de deixar a roda. Nunca perca o sentido da importância sutil de uma saída discreta.
15 - Não queira saber se falaram mal de você e nem se atormente com esse lixo mental; escute o que falaram bem, com reserva analítica, sem qualquer convencimento.
16 - Competir no lazer, no trabalho, na vida a dois, é ótimo… para quem quer ficar esgotado e perder o melhor.
17 - A rigidez é boa na pedra, não no ser humano. A ele cabe firmeza.
18 - Uma hora de intenso prazer substitui com folga 3 horas de sono perdido. O prazer recompõe mais que o sono. Logo, não perca uma oportunidade de divertir-se.
19 - Não abandone suas três grandes e inabaláveis amigas: a intuição, a inocência e a fé.
20 - Entenda de uma vez por todas, definitiva e conclusivamente: você é o que se fizer.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Quem mata menina? - 2

SOBRE A CASA PATERNA

por Dulce Critelli

"Quando o pai deixou a menina em casa e voltou para buscar os outros filhos, será que trancou a porta ou a deixou aberta?" "Esta noite eu sonhei que quem matou a menina ..."

O assassinato de Isabella se impôs como o assunto constante destes últimos dias. Deixou-nos perturbados. E o que experimentamos não me parece ser uma comoção social, como aquela que vivemos quando, no Rio de Janeiro, João Hélio, um garotinho de seis anos, foi arrastado por quilômetros pelo carro dos assaltantes.

Há algo diferente na nossa inquietação. O assassinato de Isabella sugere que alguma coisa saiu do lugar e desarrumou o nosso mundo. Sentimos que, enquanto não decifrarmos seus agentes e suas razões, enquanto não compreendermos o sentido dos fatos, não poderemos retornar para a rotina aquietada dos nossos dias.

Já estamos calejados diante das atrocidades emergentes da violência social. É do mundo aí fora, acreditamos, é dessa selva urbana que insurgem todos os perigos que podem nos alcançar. Mas esse episódio entrou nas nossas casas, tornando vulnerável o único reduto que, nas nossas crenças mais profundas e ancestrais, era inviolável. Não a moradia, mas a casa paterna.

Nas simbologias de diversas culturas, o pai é representado pela coluna dorsal. Ele é a estrutura, o esteio, a força que suporta e dirige, a lei. Mais do que a mãe, é o pai quem oferece a casa para a qual todo filho pródigo pode regressar. Por meio da casa, o pai oferece o abrigo para o repouso e o reencontro depois das aventuras e das experiências fracassadas. A casa paterna é o lugar da segurança.

Isabella resumiu a nossa própria criança, a criança que confia e precisa confiar em sua segurança. Com ela, acreditamos que, enquanto dormimos, alguém nos vigia. Que se algo nos atacar, seremos defendidos. Que não perambulamos pela vida desabrigados e expulsos do paraíso.

Às vezes, os eventos que precisamos desesperadamente compreender para nos reinserirmos na vida são de natureza política, como ocorreu com o nazismo. Outros vêm da morte de alguém querido, de um casamento desfeito, de uma catástrofe natural que arrasa a terra, como tsunamis, incêndios e terremotos.

Mas esse acontecimento com que nos deparamos vem da angústia de nosso desamparo. Vem da suspeita do "pai". Se o "pai" for o transgressor, a moral está falida. Se o "pai" for a origem do mal, é como se descobríssemos que o mal está na raiz de nossa natureza e, portanto, projeta-se infinitamente sobre nosso futuro. Sem contenção, sem advertência, sem limite.

Se o mal vier do pai, quem poderá nos abençoar?


DULCE CRITELLI , terapeuta existencial e professora de filosofia da PUC-SP, é autora de "Educação e Dominação Cultural" e "Analítica de Sentido" e coordenadora do Existentia -Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana.
Folha de São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2008 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq1704200801.htm

Quem mata menina?

COMOÇÃO PELA MORTE DE ISABELLA

A tragédia nos lembra afetos dolorosos que regram nossa maneira "moderna" de casar.

por Contardo Calligaris

Hoje, quarta-feira [9/4/2008], quando acabo esta coluna, não conhecemos os eventos que levaram à morte de Isabella Nardoni; só sabemos que a menina, de cinco anos, foi assassinada, intencionalmente ou não, enquanto estava na custódia do pai e da madrasta. E conhecemos um pouco a história da família: a mãe e o pai de Isabella não chegaram a se juntar -- foi um romance adolescente que acabou antes de Isabella nascer. O pai tem dois filhos pequenos com sua mulher atual.

É uma situação trivial: a pensão mensal, as visitas, o padrasto ou a madrasta, os meio-irmãos etc. Mas a banalidade dessa situação não deveria disfarçar o emaranhado de afetos dolorosos que ela produz -- afetos que muitos vivem e que todos preferimos esquecer.

Não sei se esses afetos são responsáveis pela morte de Isabella. Mas talvez eles sejam responsáveis pela extraordinária comoção produzida pela sua morte. Como assim?

A morte violenta de uma criança nos fere a todos: é como se, ao mesmo tempo, alguém nos arrancasse um pedaço de nosso próprio futuro e destruísse a fantasia nostálgica da infância, que sempre cultivamos, mesmo que o primeiro período de nossa vida tenha sido infeliz.

Mas a história de Isabella nos comove também por outra razão: as tentativas de "explicar" o acontecido evocam, inevitavelmente, as dificuldades de nossa maneira "moderna" de casar.

São dificuldades nas quais, em geral, preferimos evitar de pensar.

É comum que o marido ou a mulher (às vezes, ambos) levem para o casamento filhos que são frutos de uma relação anterior. Espera-se que isso aconteça sem complicação: afinal, se descasamos e casamos por amor, por que o mesmo amor não reinaria pelo lar todo? Pois é, o amor é uma coisa complicada.

Exemplos...

A rivalidade, que sempre existe entre irmãos, vinga entre enteados e meio-irmãos. E vinga redobrada, justamente por ser mais inconfessável do que a rivalidade entre irmãos -- por ser silenciosa, reprimida pelo esforço geral de compor uma nova família ideal, em que todos os integrantes se amariam.

Na nova família, à primeira vista, o homem convive com seus enteados melhor do que a mulher. Não é nenhum milagre do "instinto" paterno: o homem encontra uma satisfação narcisista no exercício da paternidade. Ele, aliás, curte ser e se sentir amado por suas qualidades "paternas". Para ele, saber ser pai de filhos e enteados faz parte de uma virilidade que ele quer que seja reconhecida e festejada pela mulher.

Mas cuidado: a encenação da paternidade, embora às vezes espalhafatosa, não resiste à pressão da culpa de dar para seus filhos de sangue menos do que para seus enteados.

Essa culpa, envergonhada e reprimida, é inevitável, porque há uma coisa que o homem, na grande maioria dos casos, dá mais aos enteados do que aos filhos: sua própria presença no lar.

A mulher, ao contrário, vive quase sempre uma rivalidade dramática com seus enteados: compete com eles como se ela fosse mais uma filha. Para a mulher, o enteado ou a enteada não usurpam o lugar dos filhos que ela trouxe de um casamento anterior, nem o lugar dos filhos que nasceram no novo casamento: eles ameaçam usurpar o próprio lugar dela. Essa rivalidade, escondida, expressa-se de maneiras travessas: por exemplo, numa crítica assídua das manifestações do afeto paterno do homem para com o filho ou a filha dele. Ou seja, para não admitir um ciúme envergonhado do enteado, a mulher censura o "excesso" dos sentimentos paternos do marido. Esse, criticado como pai, sente-se diminuído como homem. O desastre está às portas.

São apenas exemplos. O casamento "moderno" é um nó de afetos reprimidos, uma convivência explosiva que aposta no amor do casal como se fosse remédio para todos os males.

Não se trata de condenar a idéia de que seja possível refazer sua vida com outro ou outra e, nessa ocasião, levar consigo os filhos dos casamentos anteriores. Mas seria melhor que a gente se engajasse nesses projetos sem a ilusão de que os bons sentimentos prevalecerão por conta própria. Seria melhor, para começar, que nossas disposições menos nobres, em vez de silenciadas e reprimidas, fossem faladas, explicitadas. Isso, para evitar que, de vez em quando, a trágica morte de uma menina nos lembre, por um dia ou uma semana, que a vida das famílias "modernas" é muito mais difícil do que parece.

Folha de São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 2008 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1004200833.htm

domingo, 23 de março de 2008

Carlos Drummond de Andrade


Receita de ano novo


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido (mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano não apenas pintado de novo,
remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas (a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia, se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens (planta recebe mensagens? passa telegramas?)
Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta.


Não precisa chorar arrependido pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar que por decreto de esperança a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados,
começando pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo,
eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.

AUGUSTO DOS ANJOS


VERSOS ÍNTIMOS


Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!


Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.


Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.


Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

domingo, 9 de março de 2008

PAULO LEMINSK


Incenso Fosse Música


isso de querer ser
exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além

sexta-feira, 7 de março de 2008

JESSIER QUIRINO


Agruras da Lata D'água

...E eu que fui enjeitada

Só porque era furada.

Me botaram um pau na boca,

Sabão grudaram no furo,

Me obrigaram a levar água

Muitas vezes pendurada,

Muitas vezes num jumento.


Era aquele sofrimento,

As juntas enferrujadas.

Fiquei com o fundo comido.

Quando pensei que tivesse

Minha batalha cumprido,

Um remendo me fizeram:

Tome madeira no fundo

E tome água e leva água,

E tome água e leva água.


Daí nasceu minha mágua:

O pau da boca caía,

Os beiços não resistiam.

Me fizeram um troca-troca:

Lá vem o fundo pra boca,

Lá vai o pau para o fundo.

Que trocado mais sem graça

Na frente de todo mundo.

E tome água e leva água

E tome água e leva água.


Já quase toda enfadada,

Provei lavagem de porco,

Ai mexeram de novo:

Botaram o pau na beirada.

E assim desconchavada,

Medi areia e cimento,

Carreguei muito concreto

Molhado duro e friento,

Sofri de peitos aberto,

Levei baque dei peitada.


Me amassaram as beiradas,

Cortaram minhas entranhas.

Lá fui eu assar castanha,

Fui por fim escancarada.

Servi de cocho de porco

Servi também de latada.


Se a coisa não complica,

Talvez eu seja uma bica

Pela próxima invernada.

E inverno é chuva, é água,

E eu encherei outras latas

Cumprindo minha jornada.

GONZAGA LEÃO

Soneto Um


No chão marcas de pés sujos de lama;
o alpendre para o sonho e para a rede;
janelas para a fuga; na parede
o salto do telhado; a noite e a cama

com destinos iguais para quem ama:
- água e fonte servindo `a mesma sede.
A casa em construção ainda, que de
de suor e barro se edifica, chama

para se completar, seus moradores.
Fumo de chaminé nos arredores
da noite terminada. E, no profundo

silêncio com que a vida se cobria,
um galo bate as asas e anuncia
a casa e a manhã dentro do mundo.

domingo, 2 de março de 2008

B.F. SKINNER

SOBRE O BEHAVIORISMO

O Behaviorismo não é a ciência do comportamento humano, mas, sim, a filosofia dessa ciência. Algumas das questões que ele propõe são: É possível tal ciência? Pode ela explicar cada aspecto do comportamento humano? Que métodos pode empregar? São suas leis tão válidas quanto as da Física e da Biologia? Proporcionará ela uma tecnologia e, em caso positivo, que papel desempenhará nos assuntos humanos? São particularmente importantes suas relações com as formas anteriores de tratamento do mesmo assunto. O comportamento humano é o traço mais familiar do mundo em que as pessoas vivem, e deve ter dito mais sobre ele do que sobre qualquer outra coisa. E de tudo o que foi dito, o que vale a pena ser conservado?Algumas dessas questões serão eventualmente respondidas pelo êxito ou pelo malogro das iniciativas científica e tecnológica, mas colocam-se alguns problemas atuais, os quais exigem que respostas provisórias sejam dadas de imediato. Muitas pessoas inteligentes acreditam que as respostas já foram encontradas e que nenhuma delas é promissora. Eis, como exemplo, algumas das coisas comumente ditas sobre o Behaviorismo ou a ciência do comportamento. Creio que são todas falsas.1. O Behaviorismo ignora a consciência, os sentimentos e os estados mentais.2. Negligencia os dons inatos e argumenta que todo comportamento é adquirido durante a vida do indivíduo.3. Apresenta o comportamento simplesmente como um conjunto de respostas a estímulos, descrevendo a pessoa como um autômato, um robô, um fantoche ou uma máquina.4. Não tenta explicar os processos cognitivos.5. Não considera as intenções ou os propósitos.6. Não consegue explicar as realizações criativas -- na Arte, por exemplo, ou na Música, na Literatura, na Ciência ou na Matemática.7. Não atribui qualquer papel ao eu ou à consciência do eu.8. É necessariamente superficial e não consegue lidar com as profundezas da mente ou da personalidade.9. Limita-se à previsão e ao controle do comportamento e não apreende o ser, ou a natureza essencial do homem.10. Trabalha com animais, particularmente com ratos brancos, mas não com pessoas, e sua visão do comportamento humano atém-se, por isso, àqueles traços que os seres humanos e os animais têm em comum.11. Seus resultados, obtidos nas condições controladas de um laboratório, não podem ser reproduzidos na vida diária, e aquilo que ele tem a dizer acerca do comportamento humano no mundo mais amplo torna-se, por isso, uma metaciência não-comprovada.12. Ele é supersimplista e ingênuo e seus fatos são ou triviais ou já bem conhecidos.13. Cultua os métodos da Ciência mas não é científico; limita-se a emular as Ciências.14. Suas realizações tecnológicas poderiam ter sido obtidas pelo uso do senso comum.15. Se suas alegações são válidas, devem aplicar-se ao próprio cientista behaviorista e, assim sendo, este diz apenas aquilo que foi condicionado a dizer e que não pode ser verdadeiro.16. Desumaniza o homem; é redutor e destrói o homem enquanto homem.17. Só se interessa pelos princípios gerais e por isso negligencia a unicidade do individual.18. É necessariamente antidemocrático porque a relação entre o experimentador e o sujeito é de manipulação e seus resultados podem, por essa razão, ser usados pelos ditadores e não pelos homens de boa vontade.19. Encara as idéias abstratas, tais como moralidade ou justiça, como ficções.20. É indiferente ao calor e à riqueza da vida humana, e é incompatível com a criação e o gozo da arte, da música, da literatura e com o amor ao próximo.Creio que estas afirmações representam uma extraordinária incompreensão do significado e das realizações de uma empresa científica. Como se pode explicar isso? A história dos primórdios do movimento talvez tenha causado confusão. O primeiro behaviorista explícito foi John B. Watson, que, em 1913, lançou uma espécie de manifesto chamado A Psicologia tal Como a Vê um Behaviorista. Como o título mostra, ele não estava propondo uma nova ciência mas afirmando que a Psicologia deveria ser redefinida como o estudo do comportamento. Isto pode ter sido um erro estratégico. A maioria dos psicólogos da época acreditava que seus estudos estavam voltados para os processos mentais num mundo mental consciente e, naturalmente, não se sentiam propensos a concordar com Watson. Os primeiros behavioristas gastaram muito tempo e confundiram um problema central importante ao atacar o estudo introspectivo da vida mental.O próprio Watson fez importantes observações acerca do comportamento instintivo e foi, na verdade, um dos primeiros etologistas no sentido moderno; impressionou-se muito, porém, com as novas provas, acerca daquilo que um organismo podia aprender a fazer, e fez algumas alegações exageradas, acerca do potencial de uma criança recém-nascida. Ele próprio considerou-as exageradas, mas, desde então, tais alegações têm sido usadas para desacreditá-lo. Sua nova ciência nascera, por assim dizer, prematuramente. Dispunha-se de muito poucos fatos relativos ao comportamento -- particularmente o comportamento humano. A escassez de fatos é sempre um problema para uma ciência nova, mas para o programa agressivo de Watson, num campo tão vasto quanto o do comportamento humano, era particularmente prejudicial. Fazia-se mister um suporte de fatos maior do que aquele que Watson foi capaz de encontrar e, por isso, não é de surpreender que muitas de suas declarações pareçam simplificadas e ingênuas.Entre os fatos de que dispunha, relativos ao comportamento, estavam os reflexos e os reflexos condicionados, e Watson explorou-os ao máximo. Todavia, o reflexo sugeria um tipo de causalidade mecânica que não era incompatível com a concepção que, o século XIX tinha de uma máquina. A mesma impressão fora dada pelo trabalho do filósofo russo Pavlov, publicado mais ou menos na mesma época, e não foi corrigida pela psicologia do estímulo-resposta, surgida nas três ou quatro décadas seguintes.

sábado, 1 de março de 2008

CASTRO ALVES


A duas flores

São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol,
Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.

Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.

Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!

ÁLVARES DE AZEVEDO


Meu anjo

Meu anjo tem o encanto, a maravilha,
Da espontânea canção dos passarinhos;
Tem os seios tão alvos, tão macios
Como o pêlo sedoso dos arminhos.

Triste de noite na janela a vejo
E de seus lábios o gemido escuto.
É leve a criatura vaporosa
Como a froixa fumaça de um charuto.

Parece até que sobre a fronte angélica
Um anjo lhe depôs coroa e nimbo...
Formosa a vejo assim entre meus sonhos
Mais bela no vapor do meu cachimbo.

como o vinho espanhol, um beijo dela
Entorna ao sangue a luz do paraíso.
Dá morte num desdém, num beijo vida,
E celestes desmaios num sorrizo!

Mas quis a minha sina que seu peito
Não batesse por mim nem um minuto,
E que ela fosse leviana e bela
Como a leve fumaça de um charuto!

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

OLEGÁRIO MARIANO


ARREPENDIMENTO


Deste amor torturado e sem ventura
Resta-me o alívio do arrependimento.
O pouco que me deste de ternura
Não vale o que te dei de encantamento.


Abri para o teu sonho o firmamento,
Semeei de estrelas tua noite escura.
Dei-te alma, exaltação e sentimento.
Fiz de um bloco de pedra uma criatura.


Hoje, ambos à mercê de sorte avessa,
Se para te esquecer luto e me esforço,
Manda-me o coração que não te esqueça.


Padecemos idêntico suplício:
Tu - corroída de pena e de remorso,
Eu - com vergonha do meu sacrifício.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

FLORBELA ESPANCA


EU

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida! ...

Sou aquela que passa e ninguém vê ...
Sou a que chamam triste sem o ser ...
Sou a que chora sem saber porquê ...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

LUÍS VAZ DE CAMÕES

Soneto 005

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

ANTONIO MACHADO - 2

Cantares...

Todo pasa y todo queda,
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre el mar.
Nunca perseguí la gloria,
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles,
como pompas de jabón.

Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse...
Nunca perseguí la gloria.

Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino
sino estelas en la mar...

Hace algún tiempo en ese lugar
donde hoy los bosques
se visten de espinos
se oyó la voz de un poeta gritar
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."
Golpe a golpe, verso a verso...

Murió el poeta lejos del hogar.
Le cubre el polvo de un país vecino.
Al alejarse le vieron llorar.
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."
Golpe a golpe, verso a verso...

Cuando el jilguero no puede cantar.
Cuando el poeta es un peregrino,
cuando de nada nos sirve rezar.
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."
Golpe a golpe, verso a verso.