sábado, 23 de setembro de 2017

A ÚLTIMA ENTREVISTA DE FREUD

Hoje faz exatamente 76 anos que Sigmund Freud, o pai da Psicanálise e um dos maiores pensadores de nossa história, morria em Londres depois de receber três injeções de morfina, num processo de eutanásia (ou suicídio assistido) pactuado anos atrás entre ele e seu médico Max Schur para que acabasse com o sofrimento das dores quando seu quadro se tornasse irreversível. Freud foi cremado e teve suas cinzas depositadas junto às de sua esposa Martha.
Reproduzo abaixo trechos de sua última entrevista, conduzida por George Sylvester Viereck e publicada em seu livro: "Glimpses of the great" de 1930.

“Setenta anos de idade me ensinaram a aceitar a vida com alegre humildade. ” (Freud)

Sigmund Freud — Não me revolto contra a ordem universal, afinal vivi mais de setenta anos. Eu tive o que comer. Desfrutei de muitas coisas — do companheirismo da minha esposa, dos meus filhos, do pôr-do-sol. Eu vi as plantas crescerem na primavera. Algumas vezes recebi um aperto de mão amigo. Uma ou duas vezes encontrei um ser humano que quase me entendeu. O que mais eu posso querer?
George Sylvester Viereck — O senhor gostaria de retornar à vida, assumindo uma nova forma? Em outras palavras, o senhor não gostaria de ser imortal
Sigmund Freud — Para ser franco, não. Quem identifica as razões egoístas que se escondem sob o comportamento humano não tem a menor vontade de voltar. A vida, movendo-se em círculos, ainda seria a mesma. Além disso, mesmo que o eterno retorno de todas as coisas, como disse Nietzsche, nos vestisse com novas roupas, que utilidade isso poderia ter sem a memória? Não haveria ligação entre o passado e o futuro. No que me diz respeito, estou muito satisfeito em saber que o eterno absurdo de viver terminará um dia. Nossa vida se resume a uma série de obrigações, uma luta sem fim entre o ego e o seu ambiente. O desejo de um prolongamento excessivo da vida me parece absurdo.
George Sylvester Viereck — Em que o senhor está trabalhando?
Sigmund Freud — Estou escrevendo uma defesa da análise leiga, a psicanálise praticada por leigos. Os médicos querem tornar ilegal a análise feita pelos que não são médicos registrados. A história, essa velha plagiadora, se repete a cada nova descoberta. Os médicos, a princípio, combatem qualquer nova verdade. Depois eles tentam monopolizá-la.
George Sylvester Viereck — O senhor teve um grande apoio dos leigos?
Sigmund Freud — Alguns dos meus melhores alunos são leigos.
George Sylvester Viereck — Eu acho a estrutura científica que o senhor criou muito complexa. E os elementos dessa estrutura, como a teoria da substituição, da sexualidade infantil, do simbolismo dos sonhos, etc., parecem permanentes.
Sigmund Freud — No entanto, torno a dizer, nós só estamos começando. Sou apenas um principiante. Consegui trazer à tona muito do que estava enterrado nas camadas mais profundas da mente. Mas, enquanto eu só descobri alguns templos, outros podem descobrir um continente.
George Sylvester Viereck — O senhor ainda dá grande importância ao sexo?
Sigmund Freud — Eu respondo com as palavras do grande poeta Walt Whitman: “Mas não haveria nada, se não houvesse o sexo”. Entretanto, como já disse, hoje em dia, eu dou a mesma importância ao que está além do prazer — a
morte, a negação da vida. Esse desejo explica porque alguns homens gostam da dor — ela representa um passo em direção à morte! O desejo da morte explica por que todos os homens procuram o descanso eterno, por que os poetas agradecem:
”Onde quer que os deuses estejam,
Não há vida que viva para sempre
Os homens mortos nunca renascem,
E até o rio mais enfastiado
Segue confiante na direção do mar”.

George Sylvester Viereck — É certo que o senhor conseguiu incutir o seu ponto de vista sobre todos os escritores modernos. A psicanálise deu nova força à literatura.
Sigmund Freud — Ela também recebeu contribuições da literatura e da filosofia. Nietzsche foi um dos primeiros psicanalistas. É incrível o quanto a intuição dele se antecipou às nossas descobertas. Ninguém identificou com mais clareza as razões para o comportamento humano e a luta do princípio do prazer pelo eterno domínio. O seu Zaratustra diz:
”Desgraça
Grite: Vá
Mas o prazer implora por eternidade,
Implora insaciável, profunda eternidade”.
Pode ser que a psicanálise seja menos discutida na Áustria e na Alemanha do que nos Estados Unidos, mas a sua influência sobre a literatura, no entanto, é enorme. Thomas Mann e Hugo von Hofmansthal nos devem muito. Schnitzler acompanha, em grande parte, o meu desenvolvimento. Ele expressa através da poesia muito do que eu tento transmitir cientificamente. Mas o doutor Schnitzler não é apenas um poeta, ele é também um cientista.
Estava na hora de pegar o trem de volta para a cidade que um dia abrigara o esplendor imperial dos Habsburgos. Freud, acompanhado pela esposa e pela filha, subiu a escada que ligava o seu retiro nas montanhas à rua, para se despedir de mim. Ele me pareceu triste e sombrio, quando acenou para mim.)
Sigmund Freud — Não me faça parecer um pessimista — (comentou depois do último aperto de mão) — Eu não desprezo o mundo. Expressar insatisfação para com o mundo é só uma outra maneira de cortejá-lo, para conseguir plateia e aplausos! Eu não sou um pessimista, não enquanto tiver meus filhos, minha mulher e minhas flores! As flores felizmente não têm personalidade ou complexidades. Adoro as minhas flores. E não sou infeliz — pelo menos, não mais do que outras pessoas.





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