quinta-feira, 19 de novembro de 2015
ROBERT FROST
Robert Lee Frost (São Francisco, Califórnia, 26 de março de 1874 — Boston, 29 de janeiro de 1963) foi um dos mais importantes poetas dos Estados Unidos do século XX. Frost recebeu quatro prêmios Pulitzer.
"Posso resumir em três palavras o que aprendi sobre a vida: a vida continua".
" amor é
o desejo irresistível de ser irresistivelmente desejado".
"Algo que
estávamos retendo nos fazia fracos
até verificarmos que éramos nós mesmos".
"Posso resumir em três palavras o que aprendi sobre a vida: a vida continua".
quarta-feira, 18 de novembro de 2015
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
O SEU SANTO NOME
Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda razão (e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda razão (e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
CHARLES BAUDELAIRE
À une passante (original)
La rue assourdissante autour de moi hurlait.
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse ,
Une femme passa, d’ une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l’ourlet;
Agile et noble, avec sa jambe de stautue.
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l’ouragan,
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.
Un éclair…puis la nuit! – Fugitive beauté
Dont le regard m’a fait soudainement renaître,
Ne te verrai-je plus que dans l’eternité?
Ailleurs, bien loin d’ici! trop tard! “jamais” peut-être!
Car j’ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j’eusse aimée, ô toi qui le savais!
(Charles Baudelaire)
Tradução de Ivan Junqueira
A uma passante
A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.
Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.
Que luz… e a noite após! – Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! “nunca” talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!
(Charles Baudelaire. As Flores do mal. Edição bilíngüe. Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985: p. 361.)
Tradução de Guilherme de Almeida
A uma passante
A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;
Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.
Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!
La rue assourdissante autour de moi hurlait.
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse ,
Une femme passa, d’ une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l’ourlet;
Agile et noble, avec sa jambe de stautue.
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l’ouragan,
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.
Un éclair…puis la nuit! – Fugitive beauté
Dont le regard m’a fait soudainement renaître,
Ne te verrai-je plus que dans l’eternité?
Ailleurs, bien loin d’ici! trop tard! “jamais” peut-être!
Car j’ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j’eusse aimée, ô toi qui le savais!
(Charles Baudelaire)
Tradução de Ivan Junqueira
A uma passante
A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.
Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.
Que luz… e a noite após! – Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! “nunca” talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!
(Charles Baudelaire. As Flores do mal. Edição bilíngüe. Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985: p. 361.)
Tradução de Guilherme de Almeida
A uma passante
A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;
Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.
Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!
domingo, 30 de agosto de 2015
QUINTUS HORATIUS FLACCUS
Ode
nº 11 do livro 1 das Odes, do poeta romano Horácio (65 a 8 A.C), chamada de Ode
a Leucónoe, porém, mais conhecida – entre nós – pelo seu verso final “Carpe
Diem”, uma máxima da filosofia epicurista tão em voga no seu tempo. Comecemos
com a versão de David Mourão-Ferreira:
Não procures, Leucónoe — ímpio
será sabê-lo —,
que fim a nós os dois os deuses destinaram;
não consultes sequer os números babilônicos:
melhor é aceitar! E venha o que vier!
Quer Júpiter te dê inda muitos Invernos,
quer seja o derradeiro este que ora desfaz
nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno,
vive com sensatez destilando o teu vinho
e, como a vida é breve, encurta a longa esp’rança.
De inveja o tempo voa enquanto nós falamos:
trata pois de colher o dia, o dia de hoje,
que nunca o de amanhã merece confiança.
que fim a nós os dois os deuses destinaram;
não consultes sequer os números babilônicos:
melhor é aceitar! E venha o que vier!
Quer Júpiter te dê inda muitos Invernos,
quer seja o derradeiro este que ora desfaz
nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno,
vive com sensatez destilando o teu vinho
e, como a vida é breve, encurta a longa esp’rança.
De inveja o tempo voa enquanto nós falamos:
trata pois de colher o dia, o dia de hoje,
que nunca o de amanhã merece confiança.
Agora a recente tradução de Pedro
Braga Falcão:
ODE A LEUCÓNOE
Tu não perguntes ( é-nos
proibido pelos deuses saber) que fim a mim, a ti,
os deuses deram, Leucónoe, nem ensaies cálculos babilónicos.
Como é melhor suportar o que quer que o futuro reserve,
quer Júpiter muitos invernos nos tenha concedido, quer um último,
os deuses deram, Leucónoe, nem ensaies cálculos babilónicos.
Como é melhor suportar o que quer que o futuro reserve,
quer Júpiter muitos invernos nos tenha concedido, quer um último,
este que agora o Tirreno mar
quebranta ante os rochedos que se lhe opõem.
Sê sensata, decanta o vinho, e faz de uma longa esperança
um breve momento. Enquanto falamos, já invejoso terá fugido o tempo:
colhe cada dia, confiando o menos possível no amanhã.
Sê sensata, decanta o vinho, e faz de uma longa esperança
um breve momento. Enquanto falamos, já invejoso terá fugido o tempo:
colhe cada dia, confiando o menos possível no amanhã.
sábado, 29 de agosto de 2015
Café Filosófico - Nossos medos e os fantasmas da perfeição
Montagem com as participações de Leandro Karnal, Luiz Pondé, Giacóia Jr. entre outros, em que se discute o medo de morrer, as utopias, as fantasias de perfeição e felicidade etc.
terça-feira, 14 de julho de 2015
Roberto Freire
Reproduziremos abaixo um texto do psicoterapeuta reichiano, escritor e militante anarquista Roberto Freire (1927-2008), figura polemica nos meios "psi" nas décadas de 1980-1990.
Para quem não o conhece, Freire foi um psiquiatra paulista e um dos pioneiros, junto com José Ângelo Gaiarsa a divulgar a técnica reichiana em nosso país; tendo criado em seguida seu próprio sistema de abordagem denominado "Somaterapia", em que funde as ideias de Reich com a filosofia anarquista.
Escreveu romances e livros técnicos (Cléo e Daniel; Utopia e Paixão; Sem tesão não há solução; Ame e dê vexame; Viva eu, viva tu, viva o rabo da tatu, entre outros. Também escreveu para a televisão (A grande família e TV mulher).
Escreveu romances e livros técnicos (Cléo e Daniel; Utopia e Paixão; Sem tesão não há solução; Ame e dê vexame; Viva eu, viva tu, viva o rabo da tatu, entre outros. Também escreveu para a televisão (A grande família e TV mulher).
Texto 1: Caçada nos esgotos do DOPS
Maio de 1964. Cela do DOPS, em São Paulo. Dez presos políticos num espaço de quatro por quatro metros: líderes sindicais e estudantis, um poeta, um físico nuclear, um policial disfarçado de bancário e eu. Porta com cadeado por fora, janela gradeada no alto da parede, pia e privada a um canto da cela. Quando a campainha tipo cigarra soava, vinha o medo. Alguém seria levado para interrogatório, geralmente com espancamento e tortura. Ouvíamos os gritos. Depois o companheiro de cela voltava ferido e em pânico. Chegou a minha vez. Queriam que traísse meu amor à liberdade e o amor aos meus amigos. Fiquei calado, bateram-me muito, mas em vão. Ainda sofrendo e sangrando bastante,escrevi isto na margem de um jornal velho, no qual anotava vários pensamentos para um livro que pretendia escrever quando saísse da prisão:
é o amor, não a vida, o contrário da morte.
No dia seguinte, decepcionado, descobri que a folha de jornal em que fazia minhas anotações tinha sido usada como papel de privada. Dois anos depois, aquela frase escrita no papel de jornal foi incluída no romance Cléo e Daniel. Nesse livro pretendi ter purgado a violência da repressão e ter podido me vingar da ditadura militar, provando, pelo menos poeticamente, ser o amor impossível na sociedade burguesa.
Quase no final da fase já de composição do livro, recordei-me por inteiro de um outro texto que também tinha desaparecido nos esgotos do DOPS. Mas, como pude constatar, não deixou nunca meu coração. É uma fala desesperada, do personagem Benjamin, falando comigo e por mim, pouco antes de sua morte:
— O amor sendo traído, mentido, negado, iludido, falsificado, destruído! Porque não são as pessoas que existem, mas a esperança de amor que há nelas. Não há nomes, não há olhares, não há gestos, não há palavras. Apenas o seu conteúdo, em promessas, intuições de amor. Não há projetos de vida, não há realizações, não há conquistas, somente essa busca cega e desesperada de salvar o frágil e único legado de Deus! A ilusão de amar. Porque a vida humana é essa imensa e grotesca caçada: cada homem tentando alcançar o germe do amor que há no outro para aprisioná-lo, para feri-lo, matá-lo. Por isso fazem-se amigos, parceiros, parentes, amantes, sócios. Porque é preciso estar mais próximo, mais ao alcance do ódio, mais perto da ilusão de amor do outro. Para a ceva, para o bote, para o crime. A humanidade é o resultado dessa caçada. Os homens estão vivos, mas o seu amor está morto. Assassinado. Um matou a possibilidade do amor no outro. A lei é essa mesma: amor por amor, para que não haja amor.
Texto 2: Para quem ainda vier a me amar
Quero dizer que te amo só de amor. Sem idéias, palavras,pensamentos.Quero fazer que te amo só de amor. Com sentimentos, sentidos, emoções. Quero curtir que te amo só de amor. Olho no olho, cara a cara, corpo a corpo. Quero querer que te amo só de amor.
São sombras as palavras no papel. Claro-escuros projetados pelo amor, dos delírios e dos mistérios do prazer. Apenas sombras as palavras no papel.
Ser-não-ser refratados pelo amor no sexo e nos sonhos dos amantes. Fátuas sombras as palavras no papel.
Meu amor te escrevo feito um poema de carne, sangue, nervos e sêmen. São versos que pulsam, gemem e fecundam. Meu poema se encanta feito o amor dos bichos livres às urgências dos cios e que jogam, brincam, cantam e dançam fazendo o amor como faço o poema.
Quero da vida as claras superfícies onde terminam e começam meus amores. Eu te sinto na pele, não no coração. Quero do amor as tenras superfícies onde a vida é lírica porque telúrica, onde sou épico porque ébrio e lúbrico. Quero genitais todas as nossas superfícies.
Não há limites para o prazer, meu grande amor, mas virá sempre antes, não depois da excitação. Meu grande amor, o infinito é um recomeço. Não há limites para se viver um grande amor. Mas só te amo porque me dás o gozo e não gozo mais porque eu te amo. Não há limites para o fim de um grande amor.
Nossa nudez, juntos, não se completa nunca, mesmo quando se tornam quentes e congestionadas, úmidas e latejantes todas as mucosas. A nudez a dois não acontece nunca, porque nos vestimos um com o corpo do outro, para inventar deuses na solidão do nós. Por isso a nudez, no amor, não satisfaz nunca.
Porque eu te amo, tu não precisas de mim. Porque tu me amas, eu não preciso de ti. No amor, jamais nos deixamos completar. Somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários.
O amor é tanto, não quanto. Amar é enquanto, portanto. Ponto
In: (https://cacspucsp.wordpress.com/2012/08/19/textos-do-pirata-anarquista-roberto-freire-participacao-no-programa-provocacoes/)
[Os textos foram retirados do livro Ame e dê vexame . Download em:http://pt.scribd.com/doc/68476435/Roberto-Freire-Ame-e-De-Vexame-doc-rev ].
sábado, 11 de julho de 2015
ALDUISIO MOREIRA DE SOUSA - 3
(O
FLORESCIMENTO DE UM ATO )
Alduisio Moreira de Souza
“Deleuze reabilita a distinção
estóica de Aion e Cronos para pensar
a extratemporalidade do acontecimento e sua temporalidade paradoxal .
Segundo Aion, apenas
o passado e o futuro
insistem ou subsistem no tempo . Em lugar de um presente que
reabsorve o passado e o futuro , postulam um
futuro e um
passado que
dividem a cada instante
o presente , que
o subdividem ao infinito em passado
e futuro , em
ambos os sentidos
e ao mesmo tempo .
François Zourabichvili”.
Lacan
era um
pensador , um
psicanalista , um
teórico invulgar
e produtor de uma obra ,
chamada de ensino ,
sem igual
em nossa
contemporaneidade. Nunca me ocorreu pensar que fosse um santo – possivelmente um
sainthome – um xamã , ou um mágico encantador . Seu
ensino me
faz trabalhar , me
orienta em direção
a referências inusitadas e surpreendentes , e me
permite – pela exigência
que sua
leitura comanda
– despertar meu
pensamento e estar
sempre questionando minha
prática como psicanalista , já
que reclamo ter
me formado como
analista em
sua Escola .
A prática de
Lacan, tanto teórica
quanto clínica
foi objeto de controvérsia ,
de críticas as mais
radicais tanto
positivas quanto negativas ,
o que ele
fazia questão de desconhecer
e jamais fez de seu
procedimento no curso de uma análise objeto
de seu ensino ,
e era alérgico
ao que chamava de “carta
forçada da clínica ”. Creio mesmo ,
que o fato
de lacanianos falarem tanto de “casos clínicos ”,
não deixa
de ser indicativo
daquilo que no ensino
faltou ao seu lugar ,
se fez buraco : ensina-me a fazer , era como um pedido sempre
renovado de forma supersticiosa
a um Lacan mítico que
tudo faz e tudo
sabe à maneira de Rabelais, tal como os pantagruélicos Panurge (tudo
faz) e Epistemão (tudo sabe), e ele impávido colosso mantinha seu
silêncio .
Vejamos o que
nos diz Crisipo (277 – 332 AC) a mais de 2300 anos :
“Ele sustenta que somente o presente existe; o passado e o futuro
subsistem, mas não
existem de modo algum ,
segundo ele ;
da mesma forma ,
somente os atributos
que são
acidentes [atuais ]
são ditos
existentes; por exemplo ,
o passeio [caminhada ]
existe para mim
quando estou passeando [caminhando]; mas , quando
estou deitado ou
sentado ele não
existe”. Crisipo referindo-se a
Ário Dídimo. Citado por Victor
Goldschmidt e Diógenes Laêrtius.
Percebamos
que a existência
aí nessa citação
está assegurada pela consecução de um
ato , ou
seja, um fazer que é sempre presente : o passear ou caminhar . Sabemos que
no sentido do tempo ,
o passado e o futuro
são infinitos ,
e o presente é finito .
Ou seja, somente
o presente é susceptível de consideração
e mesmo de cálculo . Na história
do pensamento filosófico o Estoicismo além
de ter sido a primeira
sistematização de uma doutrina subverteu
tanto sua
forma quanto seu conteúdo ao
estender a lógica
que deixou então
de ser uma simples
técnica – Organon – e passa a fazer parte do logos
filosófico juntamente com a Física e
a Ética . Surpreendentemente
o estoicismo tem sido na maioria das vezes
reduzido a sua posterior
referência ética
dando lugar a um
discurso moral
ligado ao sacrifício , ao desinteresse e mesmo
ao masoquismo ou
ao cultivo da virtude ,
da passividade e da modéstia .
A partir de então
o estoicismo veio
a ser associado
à religião , e a serenidade ,
que foi o fundamento
mesmo da ética
estóica terminou por ser
traduzida modernamente como felicidade .
Vejamos o acontecido por uma citação de Frederique Ildefonse de aforismo de Epicteto:
“Um estóico quer
dizer um homem que , na doença se acha feliz ,
que moribundo ,
se acha feliz , que desprezado e caluniado, se acha
feliz ”.
Percebamos a diferença de sentido
quando lemos, através
de outra tradução
– de Luc Ferry, por exemplo
– serenidade no lugar de felicidade ?
Serenidade porque ?
Porque o elemento
da doença , da morte , da calúnia ou desprezo é tomado como
presente , é o que
é no seu estado
presente , sem ,
no entanto , que
o afetado , nele se dissolva por queixas ou ressentimentos. É o que
é, ou , é sendo que somos – tal
como o Conatus espinozano. Com-preendê-lo
não implicando então
mais que
uma atitude ética
filosófica diferente do “dar
a outra face ”
do cristianismo . Veremos que é o contrário ,
pois como escolha filosófica nada
mais ativa
e questionadora que o estoicismo foi e é em
sua existência .
Além de ser a
primeira sistematização do estudo da linguagem ,
a construção de uma semiologia
nova e durável faz do estoicismo um pensamento novo , ainda hoje revolucionário que
permanece contemporâneo , fazendo parte dos estudos
atuais da lingüística
e da semiologia .
Os
estóicos e particularmente Crisipo e
Zenão, criaram e deram fundamento a Teoria dos Incorpóreos
permitindo pela primeira
vez que
os pensadores pudessem pensar
o simbólico sem que
este estivesse hipotecado a uma teoria sobrenatural ,
supersticiosa ou
mítica.
“A realidade lógica , o elemento primordial
da lógica aristotélica
é o conceito . Este
elemento para
os Estóicos é completamente outra coisa , não é nem a representação (φαντασία) que
é a modificação da alma corpórea por
um corpo
exterior , nem
a noção (ένοια) que
se formou na alma sob
a ação de experiências
semelhantes . É algo
totalmente novo
que os Estóicos chamam de exprimível (λεχτον)”. Émile Bréhier – A teoria
dos incorporais no antigo estoicismo .
“O lekton
[expremível] é o correlato do termo
legein [enunciação ]: quando eu
enuncio (lego), enuncio um lekton. O
lekton tem relação com
um acusativo
de objeto interno :
lego lekton. Pensemos no cogito cogitatum leibniziano: eu
penso um
[objeto ] pensamento .
Da mesma forma
que , por
correlação , eu
sinto um sensível
na minha atividade
de sentir , eu
“intelijo” um inteligível
na minha atividade
de intelecção , eu
represento um representável em minha atividade de representação ,
da mesma forma
que enuncio um
enunciável em minha
atividade de enunciação ”.
Frederique Ildefonse – Os
Estóicos – Estação Liberdade .
“Só
fui assim para
me transformar
no que posso ser ”
[...]. “Mas , na unidade
interna dessa temporalização, o ente marca
a convergência dos tendo sido. Ou seja, supondo-se outros
encontros desde
qualquer um
desses momentos tendo sido, deles
teria saído um
outro ente
que faria o sujeito
ter sido totalmente
diverso ”. J.Lacan, Escritos ,
p. 257.
“Só
fui assim para
me transformar
no que posso ser ”
[...]. “Mas , na unidade
interna dessa temporalização, o sendo
marca a convergência
dos tendo sido. Ou seja,
supondo-se outros encontros
desde qualquer
um desses momentos
tendo sido, deles teria saído um outro sendo
que faria o sujeito
ter sido totalmente
diverso ”. J.Lacan, Escritos ,
p. 257.
Vamos tentar ler em francês o que
disse [escreveu] Lacan:
“Je n’ai été ceci que pour devenir ce que
je puis être [...]. “Mais dans l’unité
interne de cette temporalisation, l’étant marque la convergence des ayant
été. C’est-à-dire que d’autres
rencontres étant supposées depuis l’un quelconque des ces moments ayant été,
il en serai issu un autre étant qui le ferait avoir été tout
autrement”. Écrtis, p. 255.
Será que a tradução
do gerúndio do verbo
ser , em sua forma nominal , sendo, estando, seria rigorosamente traduzível por
ente ? Ou
seja, o étant como tempo verbal , o
fluir em movimento [sendo que
se é] vestiria a armadura do
substantivo averbado do ser ,
do absolutamente existente e extensivo ? – Creio que
não ! Mas ...
“Assim , é uma pontuação oportuna que dá
sentido ao discurso
do sujeito . É por
isso que
a suspensão da sessão ,
que a técnica
atual transforma numa pausa puramente
cronométrica, e como tal , indiferente
à trama do discurso
desempenha aí
o papel de uma escansão que
tem todo o valor
de uma intervenção , precipitando os momentos conclusivos”. J. Lacan, Escritos ,
p. 253.
Leiamos
atentamente : suspensão ,
pausa , precipitação, trama do discurso
etc. O que está em
jogo não
é o exprimível , o lekton tal como
evocamos como correlato do dizer e da enunciação ?
Faltou acrescentar que
pode também ritmar ,
não permitindo a conclusão
indevida na trama
discursiva. Uma verdade , mesmo
bem fundamentada tem hora ,
vez e lugar .
“A realidade única do presente , ensinado na teoria
física do tempo ,
é então afirmada igualmente
para a vida humana e, em matéria de moral ,
traduz-se diretamente por preceitos tais que : “Fazer uso do presente satisfazendo-se da condição
presente e se regozijando por tudo o que
acontece presentemente ”, preceitos que
contam como tais
o sumário da ars
vitae””. [...] “Sabemos que na semiologia estóica, “o signo
presente é signo
de uma coisa presente ”, nem passada nem por vir . A cicatriz é signo não de que alguém
tenha sido ferido, mas “que ele é [no seu estado presente ] tendo sido ferido”; a ferida
no coração não
é signo de que
ele deverá morrer ,
mas que
ele “é [em
seu estado
presente ] devendo morrer ”,
de forma que
o signo presente ,
sacado pela
sensação , permite de apreender
o significado , oculto
e invisível , no modo
presente ”. Victor Goldschmidt – O sistema
estóico e a idéia de tempo .
Foi Crisipo que no seu ensino da dialética
estóica criou dois lugares
distintos que
deram origem a uma teoria
da linguagem que
quase se torna
autônoma ao sistema
estóico. Foi a primeira semiologia dentro
do rigor que
o termo exige. O ponto
de partida foi a teoria
dos incorpóreos e particularmente
dos lektons. Ele fala no tempo ,
no lugar , no vazio
e no lekton para distinguir
dois lugares tópicos : o lugar
dos significantes e o lugar dos significados .
O exemplo tomado de Sexto
Empírico , de conteúdo
situacional da representação é o seguinte :
“ [...]
se digo, Dion é importante distinguir entre
sèmainon [σημαινον], significante
(a matéria fônica Dion, independente
de sua significação), sèmainomenon
[σημαινόμενον], significado , e
tynkhanon [τγχάνον], digamos referente ”.
Podemos perceber
a antecipação de mais
de 2300 anos do triângulo
semiótico no que há de mais moderno na
abordagem da linguagem ,
na semiologia que
se encontra com
Saussure e vai até Pearce, Derrida,
Benveniste, Eco e mesmo
Frege etc. Mas ,
o que temos de novo
e original é o Acontecimento ,
então sinônimo
de Sentido . Lacan não se furtou de dizer que o próprio Freud era um acontecimento . Ele
objetivou num elogio fulgurante .
Ele que
é a própria obra ,
já que
postulamos fazer com
que o nosso
objeto se torne objeto
de nosso procedimento, seria como se, Freud passasse ao interior
de sua obra ,
se tornasse adjetivo e terminasse por ser ele mesmo um averbado sutil , flutuante , indefinido , mas ativo . Assim foi e é com
o próprio Lacan, e podemos mesmo
brincar de que
Lacan criou por si
a extensão do Acontecimento
Freud.
O
Acontecimento é um tempo fora tempo . Um “entre-tempo”. É o tempo
que ex-siste ao tempo .
O Aion que está fora
é um tempo
infinito , mas
que orienta, simples
modo , pois ele é o que
pode nos dar
o Instante em sua eternidade de sem
começo nem
fim . É o que
acontece sendo sacado dentro de seu próprio acontecer . É sendo que se é diz Lacan. Uma espécie
de performativo que busca
apreender o próprio
daquilo que se vive no momento de sua própria efetuação .
Aquele instante
no qual luz
um significante
puro e quando
tentamos dar conta ,
apreendê-lo somente apreendemos a nossa própria expectativa , o tempo
de um triz ,
um esboço
de ato , pois já se dissipou por
escansão própria , originária ,
quase mítica, pois
é o fim do passado e o início
do futuro , num batimento
ao qual ao tentar
sacar já
estamos tomados no próprio acontecer .
Espera que é infinita no seu
instante absoluto
de presente , num se mover
que faz com
que "espera
infinita que
no seu acontecer
já é infinitamente
passada , espera
e reserva ". Ou seja, a pontuação de um paradoxo . É análogo ao tempo
do conceito e este
sendo lido como o tempo
da coisa .
É como a epifania
em seu
Instante factual ,
no seu próprio
acontecer . O depois
é pura banalidade ,
e mesmo pura
ausência de sentido ,
mas quando
surgiu foi por ter
sido excesso de sentido
que será então
consumido em sua
própria consumação .
Se considerarmos o tempo como nosso objeto de
especulação estamos dentro
da relação Aion/Cronos. Isto é um tempo infinito que não se objetiva e é simultâneo em sua subsistência sutil e
incorporal, [aion] E outro , um tempo finito , espesso , presente , que se
articula pela simples
tensão interna
de corpos e que
é sucessivo , tempo
que é extensão
[cronos]. Lembremos aqui o Aleph
de Borges no seu acontecer
simultâneo absoluto
que se faz sucessivo
na narrativa , pois
assim é a linguagem
falada ou
escrita .
“[...] O que meus olhos
viram foi simultâneo : o que
irei transcrever , sucessivo ,
pois é assim
a linguagem ”. J.L. Borges – O Aleph.
“Esse Aleph cristalino
é o órgão de conversão
da simultaneidade de todos os pontos
do espaço em
uma simultaneidade temporal ” [...] “esta conversão
do espaço em
tempo , portanto ,
leva um
nome : o real ”. Dufour, Dany-Robert - Os Mistérios
da Trindade .
Se tomarmos o significante pela sua massa fônica [imagem
acústica ] tal
como inaugurou Sexto
Empírico , já
citado, ele será sempre
um presente que escreve uma ausência .
A lógica que
teremos quando consideramos do ponto de vista
lacaniano de que o significante representa o sujeito
para outro significante iremos sacar
que para além da cópula que é postulação
conceitual , seu
caminhar , sua
travessia será de marcas
de ausências que
escrevem uma história que deixa sempre uma abertura
que será de contorno
de um buraco
que jamais
será plenamente preenchido a não ser por aquilo que falta em seu lugar : objeto
a que de maneira
quase espirituosa
podemos dizer que
aqui é onde
a falta de objeto
se faz objeto da falta .
É a presença da ausência ,
ou a existência
da inexistência , condição
do pensamento lógico
moderno .
A Ética estóica concerne ao Acontecimento :
ela consiste em
querer o acontecimento
como tal ,
isto é, em
querer o que
acontece tal como
e enquanto acontece, fazê-lo sempre presente assertivo
da arte de viver (ars vitae). Fazer
com que
aquilo que
é puramente exprimível
se faça expressão , que
o lekton se efetive num elemento discreto do discurso
em relação
transferencial seguindo a tensão de corpos que ele contém tanto
do ponto de vista
da enunciação , do possível ,
como do enunciado
que é efetuado logicamente, mas cujo encaixe se dá não
pelos efeitos
imediatos de suas
significações, mas pela
tensão de corpos
que seu
conatus contém e é contido.
Temos de deslocar nossos termos usuais
de representação : dialética ,
contradição , opostos
etc e apostemos numa lógica de
dobramentos, desdobramentos e redobramentos que
são conjuntivos
pelo instante
factual , e disjuntivos
em sua
extensão temporal .
É homólogo ao ato de escrever
um tempo
negativo ou
uma cifra , o produto
por qualquer
ângulo que
é tomado é positivo pelo
tempo presente
de sua escritura .
E isso é o processo
primário do significante
no ensino de Lacan, ele
escreve a presença de uma ausência ,
que cria
um lugar
num tempo paradoxal ,
que não
exclui ou ao contrário ,
postula o que chamei de escultura do tempo ,
escultura do objeto
a. Procedimento análogo ao Ato do ator ou do bailarino
como nos
lembra Deleuze. Escultura daquilo que falta em seu lugar senão
seria pura reprodução
mimética.
O quê
então esculpimos? – O Vazio no Tempo
criando um Lugar
para o Exprimível ,
o lekton.
“O pensamento
moderno mostrou que
todo julgamento
é um ato
[...] no qual o momento
de concluir e o tempo
para compreender pode durar tão pouco quanto ao
instante de olhar ”.
J. Lacan. Écrits, p. 211/212.
Se quisermos criar
uma quase-extensão ou uma quase-causa de
tempo para as
sessões variáveis
de Lacan, seria a do Instante . Tempo para compreender e momento
de concluir pode induzir
a busca de uma verificação
que então
se faz extensão . Aquele
que saca
– o $ujeito –, lhe dando suporte , o que ele saca é o efeito na posterioridade aí
sim podemos ter
uma extensão em
paradoxo . A não
ser que
postulemos uma clínica modelar ,
mimética cujo proceder
trabalha com
uma realidade e cujo
processo seria como
a do uso do formão
e do martelo . Teríamos em conseqüência
de refutar a teoria
do ato e do objeto a, duas invenções de Lacan sem
as quais sua
clínica perde sua
distinção e possivelmente sua eficácia .
Torna-se vulgar sem
nenhum diferencial de outra qualquer
e não seria uma clínica
rigorosamente lacaniana.
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