sábado, 19 de fevereiro de 2011

O SIGNIFICANTE - Roland Chemama

Significante, s. m. (alem.: Signifikant, fr.: significant; in. signifier). Elemento do discurso, referível tanto ao nível consciente como inconsciente, que representa e determina o sujeito.
Tornou-se evidente, a partir de S. Freud, que a psicanálise é uma experiência da palavra, o que exige um reexame do campo da linguagem e de seus elementos constitutivos, os significantes.

O tratamento das primeiras histéricas, conduzido por J. Breuer ou S. Freud, já destacava esse traço, a verbalização, sem dúvida, mais importante do que até mesmo a “tomada de consciência”. É por ter podido dizer aquilo que jamais havia conseguido enunciar que a histérica se cura. Foi uma delas, Anna O, quem chamou o tratamento de “Talking Cure”, ou seja, tratamento pela palavra. Isso é, aliás, esclarecedor para a própria etiologia da neurose: na histeria, o que é patogênico não é o trauma (por exemplo, ter visto um cão beber água em um copo, o que teria suscitado um intenso desagrado), é não ter conseguido verbalizar esse desagrado. No lugar da verbalização surgiu o sintoma, que irá desaparecer quando o sujeito conseguir dizer o que o estava afetando.

A evolução ulterior da psicanálise acentua ainda mais o papel da palavra e exige uma atenção mais precisa à linguagem.

Como o método psicanalítico leva em conta, de fato, mais a atualização dos conflitos latentes do que a rememoração direta de lembranças patogênicas, ele passa a se interessar, em particular pelas formações do inconsciente, nas quais esses conflitos são representados. Ora, estes são regulados por seqüências rigorosas de linguagem. Este é o caso do lapso, do esquecimento e, em geral, do ato falho, que consegue expressar um desejo, de forma alusiva, metafórica ou metonímica. É o caso também do chiste, que consegue dar a entender aquilo que é proibido, enganando, desse modo a censura. Finalmente, este também é o caso do sonho, cuja a narrativa se lê como um texto complexo, que exige uma atenção bastante precisa dos próprios termos que o compõem.

Coube a Lacan sistematizar toda essa problemática, recentrando-a sobre o conceito de significante.

O termo significante foi tirado da lingüística. Em Saussure, o signo lingüístico é uma entidade psíquica de duas faces: por exemplo, o significado ou conceito da palavra árvore é a idéia de árvore e não o referencial, a árvore real, e o significante, igualmente realidade psíquica, pois se trata não do som material que se produz quando se pronuncia a palavra árvore, mas da imagem acústica desse som, que se pode ter na cabeça quando, por exemplo, declama-se uma poesia sem pronunciá-la em voz alta.

A AUTONOMIA DO SIGNIFICANTE

Lacan retoma, transformando-o, o conceito saussureano do significante.

Em primeiro lugar, o que a psicanálise enfatiza é a autonomia do significante. Como na lingüística, no sentido analítico o significante é separado do referencial, mas é igualmente definível além de qualquer relação com o significado, pelo menos em um primeiro momento. O jogo sobre os fonemas, cujo valor é totalmente essencial nas crianças, demonstra a importância que a linguagem possui para o ser humano, antes de qualquer intenção de significar. Por outro lado, a psicose é uma outra ocasião para se apreender, de uma forma direta, o que seria um significante sem significação, um significante assemântico. A frase que o psicótico escuta, em sua alucinação, visa a ele, refere-se a ele, impõe-se a ele. Mas, por não poder ser relacionada com uma outra, de fato, não possui uma verdadeira significação.

Entretanto, além dessas referências particulares à infância ou à psicose, é para todo sujeito que se deve acentuar a distinção entre significante e significado.

O que o algoritmo lacaniano

S ( Significante)

s significado

permite escrever, é a existência de uma barra que afeta o sujeito humano, em virtude da existência da linguagem, e que faz com que, falando, ele não saiba o que está dizendo.

Assim, em Freud, o Homem dos ratos foi subitamente tomado pelo impulso de emagrecer. Porém, esse impulso continua incompreensível, enquanto não for revelado que a palavra “gordo”, na língua que estava então falando, o alemão, diz-se “dick”, sendo também Dick o nome de um rival, de quem gostaria de se desfazer. Emagrecer seria matar o rival, Dick. Pode-se ver o alcance desse tipo de observação. No limite, a própria possibilidade do inconsciente é condicionada pelo fato de que um significante pode insistir no discurso de um sujeito, sem por isso está associado à significação que poderia importar, para ele. “A linguagem é a condição do inconsciente.”

Da mesma forma, o sintoma, que diz alguma coisa de maneira indireta, inaudível, pode ser considerado como o significante de um significado inacessível para o sujeito.

A CADEIA SIGNIFICANTE

Se o significante for concebido como autônomo em relação à significação, ele irá, portanto, assumir uma função completamente diferente da de significar: a de representar o sujeito e também a de determiná-lo.

Tomemos um exemplo simples. Um homossexual confessa espontaneamente sua preferência por jovens de um certo estilo, de uma certa idade, que, para ele, seriam mais bem descritos pela expressão “les p’tits soldats” (os pequenos soldados). Ora, a imagem levaria à lembrança de uma grande harmonia com sua mãe, lembrança essa cristalizada em torno da recordação das tardes de verão, nas quais, após longos passeios, ela o levava ao café e pedia> “ah, poru lui, um p’tit soda” (ah, para ele uma soda pequena). Evidentemente, esse tipo de lembrança não implica que, de acordo com a psicanálise, tudo na vida seja esclarecido pela recordação de algumas palavras escutadas na infância. Porém, isso ajuda a caracterizar, no sujeito humano, a função do significante. A forma como esse homem nomeia o objeto do seu desejo, e, portanto, determina seus traços, nada mais faz do que remetê-lo a um significante ouvido na infância, que tanto mais irá insistir quanto menos for reconhecido como tal. Segundo a fórmula de Lacan, “um significante é aquilo que representa o sujeito para um outro significante”. No caso, também se deve observar que o que conta, no “soldado”, não é sua significação, em relação, por exemplo, à vida militar, mas sua significância, isto é, aquilo que é produzido diretamente pela própria imagem acústica da palavra.

Por outro lado, já se havia constatado, pelo exemplo relacionado com Dick, o lugar do jogo de palavras na função do significante. Esse lugar é dado pelo fato de que aquilo que representa, não é a palavra, mas precisamente o significante, isto é, uma seqüência acústica que pode assumir diferentes sentidos. A obra de Freud fornece em profusão os mais diversos exemplos. Como o caso da histérica, tratada nos primeiros tempos da psicanálise, que sofria de uma dor em verruma na fronte, dor que desapareceu no dia em que ela conseguiu lembrar-se de sua avó, muito desconfiada, que a olhava com um olhar “penetrante”. Neste caso as coisas continuariam sendo incompreensíveis, se não tivesse havido a referência ao duplo sentido da palavra “penetrante”, o sentido “literal” e o sentido do “figurado”.

Além disso, é fácil conceber que tais significantes, que se associam e se repetem sem qualquer controle do eu, que se ordenam em cadeias determinadas com rigor, da mesma forma como a gramática determina a ordem da frase, revelam-se, ao mesmo tempo, totalmente constrangedores para o sujeito humano. No caso, a questão do significante remete à da repetição: retorno regular de expressões, de seqüências fonéticas, de simples letras que escondem a vida do sujeito, prontas a mudar de sentido a cada vez que ocorrem, que insistem sem qualquer significação definida.

Um dos exemplos mais conhecidos a esse respeito, continua sendo o Homem dos lobos. Freud, e, mais tarde, vários analistas, que retomara a narrativa de seu tratamento, destacaram a insistência de um mesmo símbolo, representado pela letra (V maiúsculo) ou um algarismo (cinco romano). Sob esta última forma, ele remete às crises depressivas ou febris que tivera em sua infância, na quinta hora da tarde, hora também de uma cena primitiva (teria visto seus pais fazerem amor no momento em que os ponteiros do relógio estariam apontando para o V). Sob forma de letra (V ou W), retorna regularmente, nas inicial de nomes próprios de diversos personagens com os quais estivera freqüentemente em conflito; ou então simboliza a castração, em um sonho no qual são arrancadas as assas de uma vespa (Wespe, mas ele diz “espe”, o ainda S. P., suas iniciais). Finalmente, em sua forma gráfica, o V invertido representa as orelhas erguidas dos lobos, que passaram a designar para a posteridade esse célebre paciente de Freud.

ALCANCES E LIMITES DAS REFERÊNCIAS À LINGÜÍSTICA

O termo significante é considerado essencial para a elaboração psicanalítica. Portanto, pode-se indagar que traços conserva com sua origem lingüística.

As referências, explícitas ou implícitas, continuam sendo numerosas em Lacan. Elas se referem principalmente à dimensão estrutural de linguagem, introduzida por Saussure; mas sem dúvida vão muito além. Seria conveniente observar que, em especial na época em que a lingüística pragmática passou a ocupar um lugar não negligenciável entre as ciências humanas, a concepção lacaniana do significante considera, desde o início, a dimensão de ato existente na linguagem. O significante não é apenas um efeito de sentido. Ele comanda ou pacifica, adormece ou desperta.

Talvez fosse ainda mais importante do que a referência à lingüística, a referência que podemos fazer à poética. Como o poeta, o analista está atento às diversas conotações do significante, que ampliam as possibilidade da interpretação.

Afinal de contas, seria ainda o significante assimilável à imagem acústica? Em todo caso, para Lacan, não é esta sua definição. Evidentemente, enquanto oposto à significação, o significante é identificado, na maioria das vezes, como uma seqüência fonemática. Porém, também pode ser às vezes, completamente diferente. Assim, Lacan o faz surgir como significante, na primeira censa de Athalie, “o temor a Deus”. Essa expressão não deve ser tomada no nível da significação, ao menos aparente, pois “aquilo que se chama temor a Deus [...] é o contrário de um temor”. Porém, se ela for designada como significante, o é antes de mais nada porque, mais do que os outros termos, possui um efeito sobre a significação e sobre um dos personagens da peça, Abner, que ela comanda e traz consigo. Esse último exemplo marca muito bem como é que, a partir de seu efeito de sentido, e sobretudo do papel que eles representam em uma economia subjetiva, os elementos dos discurso podem assumir o valor de significantes.

CHEMAMA, Roland. Dicionário de psicanálise. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1995. p. 197-9.

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