sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

RUBEM ALVES

3. Mitos são profecias – representações poéticas do destino humano. A Torre de Babel – símbolo da mais arrogante pretensão dos homens: queriam ser iguais a Deus, queriam ter poder absoluto. Pensavam que o poder, forte, lhes garantiria o viver, fraco. Mas quando o “amor ao poder“ se torna o motivo dominante das ações humanas, a linguagem entra em colapso: os homens perdem a capacidade de se entender: a confusão das línguas. O dinheiro é o símbolo supremo do amor ao poder. Nele estão as sementes da autodestruição. No dia 11 de setembro de 2001 o mito se transformou em história: a destruição das Torres...
5. Globalização. Globo. Tudo está ligado numa estrutura única. Globalização: todas as partes do nosso mundo estão inter-ligadas. O dinheiro faz as ligações. Dinheiro é poder. O poder não entende a linguagem do amor. Daí a “confusão das línguas“. Essa é uma das lições mais preciosas de Marx: o capitalismo não conhece os “valores de uso“ – ligados à vida; só conhece os “valores de troca“, ligados ao dinheiro.
11. Psicologia: pus-me na posição do piloto, seu avião apontado na direção da Torre. Imaginei o que teria sentido. Medo? De forma alguma. Certamente havia um sorriso nos seus lábios. Ele devia estar possuído por uma alegria imensa, inebriado pelo seu deus: a Morte. O desejo de vingança é um dos desejos mais profundos e mortíferos da alma humana.
12. Sansão, como é sabido, foi um herói bíblico, de força descomunal. Seduzido por Dalila, filistéia linda, ele lhe revela o segredo de sua força: os cabelos. E ela, valendo-se do seu sono, os corta. Fraco, é preso pelos seus inimigos que lhe furam os olhos. O que se segue é a transcrição de um texto bíblico. Sansão estava cego mas seus cabelos haviam crescido. É então levado pelos seus inimigos para uma grande celebração de triunfo, num templo. “E Sansão clamou por Deus e disse: Dá-me forças para me vingar dos Filisteus... E Sansão se colocou entre as duas colunas sobre as quais a estrutura do templo se apoiava, a mão direita contra uma, a mão esquerda contra a outra – e sobre elas colocou toda a sua força. E o templo ruiu sobre os líderes e sobre o povo. E assim, aqueles que ele matou com sua morte foram mais numerosos que todos os que havia morto com a sua vida...“ (Livro de Juizes 17: 28-30). É possível que a lenda do piloto esteja sendo contada ao lado da lenda de Sansão...
13. Os terroristas não se chamam terroristas. Somos nós que lhes damos esse nome. Eles se acreditam instrumentos de Deus para o estabelecimento da verdade. Não são suicidas. São mártires que se sacrificam para que a verdade triunfe. Aquelas Torres eram templos do Demônio. Haverá coisa mais importante no mundo que derrotar o Demônio? Contra ele todos os métodos são legítimos. Que são umas poucas vidas quando o destino do universo está em jogo? Não era assim que pensava a Igreja quando acendia fogueiras para queimar os hereges em praça pública, em espetáculos oferecidos para prazer e edificação espiritual das pessoas mais delicadas e religiosas?
(Correio Popular, Caderno C, 16/09/2001.)

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