sábado, 15 de novembro de 2008
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domingo, 9 de novembro de 2008
O corpo: sedução e histeria.
RESUMO
Este artigo analisa sucintamente o papel da sedução enquanto fenômeno chave na sintomatologia da histeria e suas implicações na construção e desenvolvimento do corpo, erotizado pela linguagem e lugar do desejo.
Palavras-chave: Corpo. Histeria. Sedução. Psicanálise. Transferência.
Na pré-história da psicanálise – ente 1895 e 1897 – quando Freud descobriu a etiologia sexual das neuroses e suas raízes na infância, promoveu como evento traumático uma sedução sexual sofrida pelo sujeito em tenra idade. Teoria da sedução sexual precoce, que algum tempo depois viria a ser refutada pelo próprio Freud, quando depois de alguns anos de exaustiva escuta, descobre com certa admiração, que suas histéricas mentiam, conforme escreveu a Fliess na carta de 21 de setembro de 1897. No entanto, em sua mentira elas revelavam uma verdade até então oculta; pois, em suas fantasias, a sedução viria a desempenhar um importante papel, por estar apoiada nos prazeres sentidos em seu corpo quando dos primeiros cuidados corporais.
A sedução é o primeiro acontecimento. Faz parte daquilo que é descrito pela psicanálise como “experiência de satisfação”. Experiência mítica do reencontro da unidade perdida da vida intra-uterina, marcada pela ausência de tensões corporais. Essa experiência de prazer marca de forma definitiva o sujeito, e está na base daquilo que mais tarde Lacan chamaria de “objeto a”, objeto causa do desejo no qual a criança se converteria após um corpo-a-corpo doentio com o outro sedutor.
Antes de prosseguirmos investigando os aspectos estruturais e psicopatológicos da sedução, vamos pontuar algumas questões que nos parecem relevantes: em primeiro lugar, o que levou Freud a corrigir tão incisivamente a teoria da sedução, apesar de tantas evidências (dezoito casos)? Em segundo lugar, por que três meses após a “correção” ele escreveu a Fliess sobre o aumento de sua confiança na “etiologia paterna” referindo-se à teoria da sedução? Podemos citar também a presença da sedução durante o tratamento, que fez com que Breuer – seduzido pelos encantos juvenis de Anna O. – abandonasse o tratamento da histeria e deixasse “cair a chave” que abriria a porta do mistério do fenômeno histérico. Freud apanha a chave e a despeito dos obstáculos externos e resistências internas adentra nesse quarto escuro, lançando uma luz sem, no entanto, clarear tudo.
A morte de seu pai em 1896, entre outros fatores, fez com que ele se desfizesse da teoria da sedução, sem rejeitar sua importância na etiologia de algumas neuroses. Mas havia ainda alguma coisa, que malgrado todas as evidências – a sedução operada por babás, governantas e pelos pais – levava Freud a afirmar que cometera um grande erro, “um erro que repetidamente reconheci e desde então corrigi”, como foi ressaltado por Peter Gay (1987, p.102). Havia Monika Zajc, sua babá que o iniciou no onanismo, e, de acordo com This (1987, p.67), fê-lo retirar a sílaba “mo” de seu prenome Sigismond, “portador das letras proibidas”. Tentativa de afastar o fantasma da sedução que retornaria anos depois sob a pena de Sandor Ferenczi.
Ainda de acordo com a teorização de This, havia uma outra razão para desejar livrar-se dessa incômoda teoria: Mathilde, sua filha, com quem “tivera sonhos eróticos e uma ternura que ia além do ‘permitido’ entre um pai e uma filha”. Enfim, abandonar a teoria da sedução tinha lá suas vantagens: Monika e Mathilde recalcadas, e, seu pai “reabilitado”. Sigmund Freud poderia ter terminado sua pesquisa por aí, no entanto, a coragem do desbravador falou mais alto: a sedução poderia não ser a pedra angular da etiologia das neuroses, porém, é impensável construir uma teoria das neuroses sem levá-la em conta.
O papel desempenhado pela sedução nas manifestações clínicas e comportamentais da histeria é o objetivo de nossa investigação, bem como, o de situar o corpo como lugar privilegiado em que se desenrola a cena desiderativa: corpo seduzido-corpo sedutor. Para empreender tal tarefa, recorremos aos postulados de Freud e Lacan no que concerne ao complexo de Édipo e de castração, para situar o corpo como arma de sedução e seu percurso de seduzido a sedutor. E, será a partir da histeria que examinaremos essas questões, até porque as questões colocadas pela estrutura histérica implicam esse corpo.
De início convém relembrarmos a história dos primeiros cuidados prestados pela mãe ao bebê, cujo teor erótico é pouco lembrado, mas que exercem uma profunda e duradoura influência sobre o psiquismo, conferindo à sexualidade seu caráter essencialmente perverso, marcando o desejo e a forma de satisfazê-lo. E tudo começa com a sedução da criança pelo outro; esse outro que após um período depressivo causado entre outras coisas pela perda de completude ocasionada pelo parto e pelas fantasias associadas a ele, fica agora, como que fascinada pela sua cria, e, engaja-se a partir de então em um corpo-a-corpo que se estende por alguns anos, cujo efeito imediato é a erotização do corpo da criança. Corpo que mesmo antes da concepção já fora objeto das fantasias maternas: “espero que nasça perfeito”, “não sei como reagiria se meu filho nascesse defeituoso ou anormal”, “eu quero que ele tenha os olhos de meu pai, a boca de meu marido e o nariz de minha mãe”; e após o nascimento será marcado pelas palavras e ações da mãe através do contato corporal.
A criança surge assim, para obturar essa falta no outro: fazer de sua mãe uma mulher completa, cheia, plena, ou como destaca André (1994, p.192), “a criança ocupa primeiramente a posição daquilo que vem arrolhar a falta que causa o desejo”. A relação entre a mãe e essa criança imaginária só vem a ser perturbada quando surge a criança real, que acorda na madrugada, chora, se suja e adoece. O choque da realidade causa confusão em muitas mães, levando-as a perceber a criança como algo estranho e assustador, questionando-se se será uma boa mãe – já que a criança real não é a mesma de sua fantasia. Porém, o fascínio resiste devido às implicações narcísicas, e a criança é então promovida à categoria de objeto causa do desejo – “objeto a” na elaboração lacaniana.
Ocupando essa posição em relação à mãe, resta à criança transformar-se naquilo que ela supõe ser o objeto de desejo desta, aquilo que a faria completa, e este objeto é precisamente o falo. Isto é o primeiro tempo do complexo de Édipo em que a criança real busca fazer-se criança imaginária (falo). No segundo momento, a interdição paterna priva a criança desse outro, impedindo a satisfação dos impulsos, dessa forma, frustra-a e é promovido à categoria daquele que supostamente detém o atributo fálico. Assim, chega-se ao terceiro momento do complexo de Édipo em uma leitura lacaniana, em que a criança – menino e menina – é submetida ao jogo das identificações o que marca o fim desse complexo. O menino desiste de ser falo de sua mãe – para salvar seu pênis – e identificando-se com seu pai, engaja-se numa dialética de ter o falo. Com a menina a história toma rumos diferentes: é a partir do complexo de castração que ela é introduzida no complexo de Édipo positivo. A percepção da vagina como não-sexo, como lugar da ausência, como atestado de uma castração, leva a menina a abandonar cheia de ódio e ressentimento esse amor castrado (a mãe) e dirigir-se para o pai na esperança de receber dele o falo sob a forma de filho.
Em seu percurso para tornar-se uma mulher, a menina atravessa uma fase masculina, ou como afirmava Freud, “devemos reconhecer que a menina é um pequeno homem”; isso é uma tentativa de negar a castração e permanecer com a ilusão de possuir o falo. Essa cristalização na identificação fálica é o que confere a marca do feminino na histeria, já que a mulher está mais sujeita – pela própria anatomia – a se engajar nesse projeto. No entanto, essas identificações não suprimem as dúvidas sobre o que se é, e sua pergunta mais freqüente é: o que sou eu? E a resposta vem diretamente do corpo fazendo com que ela passe da responsabilidade de ter o falo para a de sê-lo em seu próprio corpo.
O corpo para a psicanálise é bem mais que um amontoado de órgãos trabalhando em sincronia; é um corpo erógeno, como descreve Masotta (1987, p.98), que “pode gozar ignorando que goza ou que pode conseguir o gozo como certeza, sem deixar de ignorar a gênese e a estrutura dessa certeza e desse gozo”, e acrescenta: “se o corpo erogeniza é porque extrai, em primeiro lugar, sua sexualidade de seu contato com o corpo da mãe”. Entretanto, aquilo que é aprendido com ela não pode ser utilizado senão com outra pessoa, logo, este corpo seduzido passivamente transformar-se-á em ativo, sedutor, tomando a aparência imaginária de corpo fálico, completo (ou quase) e não castrado.
Como afirmamos acima, em relação à dúvida fundamental na histeria – ser homem (atividade) ou ser mulher (passividade) – a resposta se apresenta antes que a pergunta se torne consciente, e o teatro da histeria tem início: a menina representa ser “a mulher”. De acordo com Mayer (l989, p.61) essa vivência se desenvolve
através de um vestuário calculadamente natural, de um manejo corporal administrado até o detalhe, de olhares carregados, do enigma de seu sorriso..., a histérica representa ante o homem não somente que é uma mulher excepcional, única e desejável, mas também que tem algo mais que não se vê, algo que a torna mais desejável ainda.
Uma super-fêmea, cujo corpo é o estandarte a ser apresentado no jogo da sedução, corpo que se mostra e se esconde, corpo portador desse algo mais que quase ninguém tem – o falo.
É por essa via que podemos tomar o corpo no fenômeno histérico como equivalente ao “falo imaginário”, que assim como a criança imaginária faz sua mãe gozar o mais sublime dos gozos: padecer no paraíso. Como falo, ela não se contenta em seduzir apenas o outro, mas, precisa de um público que confirme sua crença imaginária. Ser vista, ser notada, ser olhada são desejos que apelam para a pulsão escópica. A moda e a mídia conferem um padrão capaz de enlouquecer àquelas que não se adéquam as suas exigências métricas. As academias de ginástica promovem um culto às formas “trabalhadas” do corpo ideal, que, ao lado da parafernália dos cremes e cosméticos, da roupa que esconde e exibe, preparam o sujeito para o desfile de sedução de seu dia-a-dia. Como sublinhava Reich (1972, p.239), “[...] com movimentos que possuem uma qualidade saltitante, uma flexibilidade e certa dose de provocação sexual”, a histérica tenta seduzir seu público, saltando da passividade para a atividade, sem, no entanto, nada saber sobre seu desejo, que se lhe for apontado lhe aparece como surpreendente. Mayer (1989, p.59) afirma, e a experiência tem confirmado, que tanto o “discurso verbal manifesto, como o discurso plástico das imagens oníricas ou corporais {na histeria}, são metáforas eróticas que todos entendem, menos ela que se mostra surpreendida e escandalizada”.
Com o alimentado sonho da perfeição corporal via intervenções cirúrgicas, cosméticos e academias de ginástica, aliada a um jeito de ser enigmático e sedutor, ela tem a ilusão de ser tudo: a criança imaginária de sua mãe e o objeto de amor de um pai idealizado. Pois, sendo bela e perfeita será, enfim, desejada. O esmero no trajar que tenta capturar de imediato o olhar do outro, serve em primeiro lugar para ratificar sua “teoria” de ser possuidora desse “algo mais”, mas, por outro lado, faz com que ela entre em um círculo vicioso marcado pela insatisfação – já que o ato sexual é geralmente decepcionante, oportunidade ímpar para humilhar o parceiro “que não consegue fazê-la gozar”. Como defesa, o sujeito histérico refugia-se no reino do imaginário, impedindo desse modo que venham à consciência os sentimentos que abriga inconscientemente, de ser “feia, incompleta, vazia, que os homens têm mais, que para eles tudo é mais fácil etc”. Mayer (1987, p.59).
Como se não bastasse tanta dificuldade, a realidade, sob a forma da passagem dos anos vem marcar esse corpo com a tinta do envelhecimento, pondo em xeque sua imagem idealizada, retirando a máscara de sua identidade mítica, abalando sua auto-estima e levando-a finalmente à depressão ou a paranóia, ou seja, àquele lugar em que a histeria resvala na psicose.
Durante o tratamento analítico a sedução se manifesta de múltiplas formas: no vestuário, no falar, no silenciar, nos olhares, no aperto de mãos na despedida etc. O corpo que está deitado no divã está constantemente inundado por sentimentos de medo e vergonha de num pequeno deslize mostrar-se como é – faltoso. As fantasias inundam a mente: “Imaginei que você vinha até aqui, deitava comigo e me fazia um monte de carinhos”, ou “Eu esperava que você me agarrasse, me beijasse... então eu diria: hoje não doutor, é que eu não fiz depilação”. A transferência ganha um colorido erótico, e transforma-se na maior resistência ao trabalho analítico: “Será que você me acha atraente?”, “Transei com meu parceiro pensando em você”. Como responder a tais demandas que nos colocam no lugar de objeto causa de desejo? Não há como responder sem que se revele sua própria sexualidade “furada”; pois o saber sobre o sexo e o amor, deixamos aos perversos e suas ilusões (certezas), importa, a nós analistas, ficarmos em nosso lugar de semblante – seduzido e sedutor – porém, apoiados numa ética que nos leva a esperar que lá onde “isso” era, advenha o “eu”. E durante o longo percurso de nosso trabalho, ela segue seu caminho, como Gradiva – em busca do amor – brilhando enquanto caminha.
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, Serge. O que quer uma mulher? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.
FREUD, Sigmund. Feminilidade. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XXII. Rio de Janeiro: Imago, 1970.
MASOTTA, Oscar. O comprovante da falta: lições de introdução à psicanálise. Campinas: Papirus, 1987.
MAYER, Hugo. Histeria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
REICH, Wilhelm. Análise do caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1972.
THIS, Bernard. Introdução à obra de Ferenczi. In: NASIO, Juan-David (org.). Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.